quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Crítica: Horas de Verão


por Joba Tridente

Horas de Verão é a Arte de fazer Arte de colecionar Arte de herdar Arte de avaliar Arte de comprar Arte de expor Arte de ver Arte.

É possível herdar objetos de arte e com eles o sentimento de quem os produziu ou as lembranças de quem os adquiriu? Quando um objeto meramente funcional se transforma em arte? O que é arte? Horas de Verão (L’Heure D’Eté, França, 2008), filme de Olivier Assayas, trata com ternura e beleza dessas e de outras questões relacionadas à arte de viver e conviver com arte em família, antes e depois da herança que vai além dos bens materiais.

Com roteiro do próprio Olivier Assayas e a sutileza na marcante fotografia de Eric Gautier, Horas de Verão inicia com a comemoração dos 75 anos da elegantíssima Hélène (Edith Scob), na companhia dos três filhos: o economista Fréderic (Charles Berling) - que mora na França, a designer Adrienne (Juliette Binoche) - que mora nos Estados Unidos, e o executivo Jérémie (Jérémie Reinier) - que mora na China, além das noras e netos. Enquanto os filhos comemoram o raro reencontro, Hélène tem preocupações que somente Fréderic ouve: o destino das obras de arte reunidas pelo tio-avô Paul Berthier, também grande artista, após a morte dela, que não tarda. Não há um testamento, apenas anotações e conversas soltas sobre a conservação e o destino das obras e da própria casa. Com dois filhos morando fora da França, e sem intenção de voltar, é hora de cada um dos irmãos tomar a sua decisão em relação aos bens herdados: preservar um bem que, apesar das boas lembranças, não será usufruídos por todos ou se desfazer dele, descartando completamente o passado, e aproveitar o ganho com a venda para refazer a vida no presente? Em Depois da Vida (Wandâfaru Raifu) belíssimo filme de Hirokazu Kore-Eda, de 1998, a história gira em torno de uma única lembrança, a melhor, que acompanhará o espírito de uma pessoa por toda a eternidade. Dizem que quando alguém morre não leva nada da vida..., mas, por menos que se tenha, sempre se deixa alguma coisa, como é o caso de Horas de Verão.

Muita gente, durante a vida, junta uma coisinha aqui e outra ali, peças de arte ou que serão consagradas como tal depois..., cujo valor maior é a lembrança a que elas remetem. A convidativa casa de Hélène, repleta de obras de arte e de boas memórias, algumas intencionalmente fugidias, não é um museu aberto a apressados visitantes indiferentes às obras expostas. Ali, peça a peça, cada traço, cada pincelada num caderno de esboços e até mesmo cacos de uma escultura de Degas, quebrada por Fréderic, quando criança, tem uma história que, com interesse e dedicação, pode ser resgatada. Ali, cada objeto parece ter sido adquirido para o espaço que ocupa. Coisa alguma está fora de lugar..., apenas o tempo parece não concordar.

Como cada um dos filhos (e mesmo terceiros) trata a herança deixada por Hélène, é a grande metáfora do filme. Para o filho mais velho, saudosista, é importante manter tudo como está, para o usufruto de toda a família, em dias que passam mais depressa do que se espera e a tecnologia acaba cegando a todos para as coisas mais simples da vida, como um olhar mais demorado para um vaso que, dependendo do ponto de vista, pode ser um caríssimo objeto de arte ou um simples utilitário para acomodar um ramalhete de flores do campo. Para os dois irmãos, distantes até mesmo das lembranças da infância, a herança parece um fardo que pode ser útil com a venda de tudo ou um peso com a manutenção de uma casa que não desejam mais usufruir. Com a morte da mãe todas as suas lembranças, mesmo que compartilhadas pelos filhos, morreram com ela. E assim como a casa de Hélène fica vazia de lembranças e objetos, também as obras de arte, expostas no Museu D’Orsay, parecem vazias de sentimento e de interesse aos visitantes.

Horas de Verão tem uma narrativa distinta que flui em ritmos e espaços diferentes. Enquanto no interior da França, tudo é tranqüilo, saudável, em um clima nostálgico e lúdico de casa de campo com jardins, risos, bosque, cantoria, frutos selvagens..., em Paris vive-se a agitação, o clima neurótico na cidade claustrofóbica com seus ruídos, apartamentos, enlatados, escritórios, elevadores, comida rápida, trânsito ensandecido, onde todos parecem estar constantemente atrasados. Até mesmo a conversa entre os irmãos, sobre o destino da rica herança, muda de humor quando sai da sala da velha casa para terminar num apertado escritório em Paris.

Horas de Verão não é um filme previsível e muito menos sem fim, como é comum no cinema francês..., e tão pouco uma película para se ver estressado. É para ser saboreado com tranquilidade, pois só assim é possível ver e compreender o belo reflexo do começo no final.

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