domingo, 20 de junho de 2010

Crítica: Tudo Pode Dar Certo



Tudo Pode Dar Certo
num filme de Woody Allen, o que poderia dar errado?

Tudo Pode Dar Certo (Whatever Works, França, EUA, 2009), com roteiro e direção de Woody Allen, é a mais recente obra do genial diretor a estrear no Brasil. Para quem não gosta de seu trabalho e todo ano propaga a morte da sua criatividade cinematográfica, ele tem nada a dizer, mas ao seu público fiel cabe o presente de mais uma deliciosa e divertida comédia. E o melhor, sem clichê, vício irritantemente comum, aos roteiristas e diretores menores de Hollywood, e que o público com QI abaixo da média adora.

De passagem por Nova York, Allen realizou este Tudo Pode Dar Certo, um projeto antigo que ganhou forma, sem perder o humor cáustico que deixa salobre qualquer água benta. O humorista Larry David, é o seu alter ego da vez, na persona do adorável rabugento físico Boris Yellnikoff, ex-professor da Universidade de Columbia, quase ganhador do Nobel que, nas horas vagas, quando não está condenando toda a humanidade ao limbo, se torna um impaciente professor de xadrez, para azar das crianças. Certa noite, ao voltar para casa, ele encontra Melodie St. Ann Celestine (Evan Rachel Wood), uma bela garota interiorana, que implora por sua ajuda. Meio a contragosto ele oferece abrigo por uma noite e acaba se envolvendo muito mais do que gostaria. Um ano depois, na cola da garota, aparecem a mãe, Marietta (Patricia Clarkson), e, logo após, o pai, John (Ed Begley Jr.). Eles são conservadores, crentes fervorosos (mas cheios de pecadilhos) que, de uma forma ou de outra, vão repensar e mudar radicalmente o rumo das suas vidas, na grande cidade, e aceitar de bom grato o preço da felicidade. O único que parece incapaz de rever os seus filosóficos conceitos científicos (embasados na religião e na política) é Yellnikoff. O livre pensador acredita que o mundo seria muito melhor sem a raça humana.


Irônico, sarcástico, Boris odeia a ignorância e, por mais que a evite, está sempre rodeado por ela. A sua inteligência parece funcionar como um imã à estupidez. O seu mau humor, pela incapacidade de aceitar as pessoas como elas são, é uma constante que não se dissipa nem com as breves e gloriosas idéias de suicídio. Em Tudo Pode Dar Certo, não há a “quietude” erótica e exótica do inesquecível Vicky Cristina Barcelona (2008), apesar do desejo aflorando em todas as formas possíveis de serem colhidas, mas há a incomparável metralhadora verbal de Woody Allen, tão rápida e certeira, nos monólogos e diálogos ácidos de Boris Yellnikoff, que (acredito) muitos espectadores não têm nem tempo de assimilar ou entender as tiradas de mestre. A audácia maior, no entanto, fica por conta da ousada forma de anexar a platéia à narrativa do filme. Não é um recurso novo (já foi usado até em desenho animado), mas sempre funciona a história do ator que fala ou se dirige à plateia. Aqui a conivência é perfeita, cria-se até uma expectativa do momento em que a “conversa” será retomada durante a projeção do filme. Olhos e ouvidos atentos, o público sai da sua passividade e vira (literalmente) um coadjuvante explícito.

Engraçada do começo ao fim, texto rápido e interessante, pérolas perfeitas, direção irretocável e atuações excelentes, a comédia Tudo Pode Dar Certo, não tem porque dar errado. Quem sabe e domina o que faz, até na reciclagem (de idéias e temas) continua original e sem perder tempo (re)filmando obra alheia. Quando Woody Allen não tem mais (?) como (ou o quê) falar de suas neuras, se põe a falar das neuras dos outros. Contar histórias de suicidas frustrados pode até ser divertido, mas a graça está mesmo em saber como falar das (re)viravoltas da vida e da rasteira na Morte. Com Allen, cada expectador ri um pouco de si mesmo muito além da sala de cinema.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...