segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Crítica: Dois Irmãos


Dois Irmãos

O argentino Daniel Burman mais uma vez surpreende (redundância!) os cinéfilos ao roteirizar e dirigir o tocante drama cômico Dois Irmãos. As envolventes narrativas do diretor, recheadas de personagens “reais”, mesmo que “fictícios”, sempre desarmam o espectador, pela proximidade e verossimilhança. Foi assim com O Abraço Partido (2004), Leis de Família (2006), O Ninho Vazio (2008), e não é diferente em Dois Irmãos, baseado no livro Villa Laura, de Diego Dubcovsky, que colaborou no roteiro.

Marcos (Antonio Gasalla) e Rosana (Graciela Borges) são irmãos iguais e diferentes nos prazeres e nas dores de uma vida em família. Ele é um ourives e cuida da mãe doente, ela é uma trambiqueira que se arranja em qualquer ramo (imobiliário, gastronômico) onde sentir cheiro de lucro. O embate dos dois, que vem desde a infância, se agrava com a morte da mãe. Marcos é sessentão. Rosana é cinquentona. Ambos solteiros e com perspectivas diferentes de vida. Enquanto ele sonha em retomar o seu trabalho de artesão e finalmente ter um tempo para si, ela se apossa e se desfaz da herança dos dois, obrigando-o a viver em Villa Laura, no Uruguai. A índole tranquila de Marcos contrasta com a possessividade de Rosana. Quando o relacionamento se torna insuportável, percebe-se que as aparências enganam. Enquanto um ergue a sua fortaleza, o outro busca escapar dos seus próprios destroços. Verbo e gesto não mais se casam. É hora do espelho desenhar um outro reflexo. É hora do público rever a sua primeira impressão.


Dois Irmãos (Dos Hermanos, Argentina, Uruguai, França , 2010) é um filme que se vê com prazer e (mesmo) um leve sorriso nos lábios, apesar da melancolia que costura cenas e sequências e arremata tudo com um final pungente. A trama que enreda Marcos e Rosana é a que enreda a parábola do humilde Cedro e o prepotente Carvalho, nascidos lado a lado. Enquanto a maleável planta resiste a uma forte tempestade, a vigorosa árvore, incapaz de se curvar, não tem a mesma sorte. Dois Irmãos tem um roteiro enxuto e um acabamento técnico notável. A sutileza do enquadramento de Marcos e Rosana, no velório da mãe, durante uma discussão, cujo motivo parece irrelevante, é comovente. Aliás, todo o filme é carregado de sutilezas que, entre muitos desacatos, dão um contraponto perfeito. A direção de Burman é precisa e a interpretação dos veteranos Antonio Gasalla (humorista de teatro) e Graciela Borges (dama do cinema) é irretocável.

O filme Dois Irmãos lembra outro belo exemplar sul-americano, o brasileiríssimo É Proibido Fumar (2009), de Anna Muylaert, que também fala de solidão, insegurança e da frágil relação familiar que está sempre por um tênue fio. Na excelente produção brasileira, Glória Pires é Baby, uma solitária professora de violão (fumante compulsiva e à beira da histeria), sempre em pé de guerra com as duas irmãs, por causa de um sofá ou de um namorado. Mantidas as diferenças regionais, na pegada do humor e do drama, ambos têm muito em comum na forma de bem narrar uma história cheia de nuances e que, em mãos bobas seria um verdadeiro desastre.

2 comentários:

  1. Análise perfeita e bem lembrada o diálogo com "É Proibido Fumar". Mas infelizmente mais um excelente filme prejudicado pela projeção "digital" da Rain. Ainda assim vale a pena assití-lo mesmo que desta forma.

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  2. Olá, Antunes.
    Pois é, entre "chuvas e trovoadas" este ainda chegou por aqui.
    Mas, o que dizer de tantos outros filmes que nem a "enxurrada" é capaz de trazer?
    Com boa ou má projeção, Dois Irmãos realmente vale uma ida ao cinema pra apreciar (ao menos) as grandes performances de Antonio Gasalla e Graciela Borges.

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