quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Crítica: Além da Vida


por Joba Tridente

Clint Eastwood não é meu ator e ou diretor preferido e, apesar de admirá-lo em ambas as funções, estranhei que dirigisse um filme com abordagem espírita. Mas, em se tratando de Eastwood, pode se esperar tudo, menos o óbvio.

Além da Vida (Hereafter, EUA, 2010) fala de quase-morte, morte e pós-morte. O seu foco está na reação das pessoas diante de um fato muito especulado, pouco explicado e nada comprovado sobre o “depois daqui”. Segundo Clint: “Não sabemos o que acontece do lado de lá, mas, do lado de cá, tudo acaba. As pessoas têm suas crenças sobre o que acontece e o que não acontece depois da morte, mas é tudo hipótese. Ninguém sabe até chegar lá”. Baseado no roteiro de Peter Morgan, a narrativa acompanha a vida de três personagens que têm em comum a solidão, agravada pelo imprevisível. George (Matt Damon) é um operário norte-americano que se sente incomodado com a sua mediunidade, que lhe parece mais uma maldição do que um dom. Marie Lelay (Cécile de France) é uma jornalista francesa que vivencia um grave acidente (na Indonésia) e tem dificuldades em retomar a sua vida profissional e pessoal. Marcus (George McLaren) é um garoto inglês que não compreende e nem aceita a morte de um familiar muito querido. Os três lambem as suas doloridas feridas, enquanto buscam “algo” que acabe com tamanha angústia.


Além da Vida é um filme, no mínimo, curioso e cheio de surpresas. Longe do clima de horror mórbido e gótico (e das onipresentes “trilhas” chatíssimas) que permeiam produções como: Bezerra de Menezes - O Diário de um Espírito (Glauber Filho e Joel Pimentel), Nosso Lar (Wagner de Assis), Chico Xavier (Daniel Filho), Um Olhar do Paraíso (Peter Jackson), ele traz três histórias plausíveis. Cada uma tem o seu próprio tempo, que ao poucos invade o tempo da outra, até ser apenas uma única história. Não se trata de uma obra doutrinária, de um cinecatequese buscando conquistar adeptos para o Espiritismo. Aliás, em nenhum momento o público verá espíritos vestindo túnicas brancas, almas esfarrapadas penando seus “pecados”, paisagens paradisíacas e infernais, cenários retrô-futuristas ou qualquer outra exploração visual típica do gênero. Allan Kardec (1804-1869), mentor e codificador do Espiritismo, sequer é citado. No entanto, é bem interessante a forma como o personagem de Damon relaxa, ouvindo um CD com inspirados textos de Charles Dickens (1812-1870), lidos pelo ator inglês Derek Jacobi, e interpreta o retrato Dickens's Dream, de Robert William Buss (1804-1875), exposto no The Charles Dickens Museum, em que o escritor dorme, sentado em uma cadeira, e os personagens de seus romances flutuam ao seu redor.


Tocante como a vida e inesperado como a morte, Além da Vida é um filme para se ver sem pressa. Eastwood aposta no diálogo (ou na sua ausência) e na força da interpretação do afinado elenco, trabalhando, com delicadeza, as minúcias de cada personagem. As respostas que buscam para as suas inquietações físicas e espirituais estão nas mãos de cada um, apenas é preciso saber lê-las. Não me lembro de algum outro filme seu em que as mãos (sempre constantes) tenham tido um valor simbólico tão expressivo quanto aqui. É bem provável que o drama suscite mais dúvidas do que certezas no espectador que poderá se agradar (da temática) e ou se decepcionar, se for ao cinema pelo (abominável) título ou (mesmo) pelo diretor que parece decidido a dirigir (com competência) todo e qualquer assunto que lhe agrada. Se ele não se aprofunda ou discute as complexas questões da mediunidade, já que esse não é o foco, também não se deixa diluir pelo panorama que traça dos (falsos videntes) comerciantes da fé. Não faz apologia religiosa e muito menos científica, mesmo quando se aproxima (numa citação) do ótimo Fenômeno (Phenomenon, EUA, 1996), de Jon Turteltaub, com John Travolta. Crer ou não crer, fica por conta do espectador!

Clint Eastwood conta as três histórias com ternura, melancolia e amor. Às vezes vacila e quase escorrega, mas logo retoma o equilíbrio de mestre. A excelente fotografia de Tom Stern (sempre) faz a diferença numa produção em que há também um cuidado especial com a trilha sonora que apenas pontua (sem conduzir ou forçar emoções) sequências que já são (melo)dramáticas o suficiente para marejar olhos distraídos. Pode não ser o melhor deste premiado diretor de 80 anos, mas sem dúvida é um belo filme.

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