segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Crítica: 127 Horas


por Joba Tridente

O cinema, principalmente o de (puro) entretenimento, não tem, necessariamente, compromisso com a verdade e sim com o lucro comercial do filme. Então (me repetindo), por mais que ele seja baseado em fatos reais, não quer dizer que o espectador vê aquilo que realmente aconteceu (nem mesmo em documentário), já que essa é a versão do diretor (roteirista, produtor etc) e não a da “vítima”. Na maioria das vezes, uma história escrita pelo protagonista de alguma tragédia pessoal, têm mais força no livro do que no cinema. Porque, quando o tema é interessante, mas não tem elementos suficientes para um longa-metragem, é preciso apelar para a coleção clichê de cacos cinematográficos, a fim de dar colorido, emoção, humor à narrativa intragável.

foto tirada pelo próprio Aron em 2003

127 Horas (127 Hours, EUA, Reino Unido, 2010), de Danny Boyle, é um drama que equilibra bem o real e o imaginário cinematográfico que, se não doura, ao menos alivia o mal estar do espectador diante de um relato claustrofóbico e cru(el). Ele expõe a saga de Aron Ralton (James Franco), jovem alpinista americano que, em abril de 2003, ao se aventurar sozinho (como era do seu feitio) pelo Canyonlands National Park, em Utah, sofreu um acidente e ficou (127 horas) com a sua mão direita presa, sendo obrigado a se mutilar para se libertar e escapar da morte iminente. O mais interessante é que Aron fotografou e filmou a sua própria agonia, tentando entender o ocorrido e deixando mensagens para a sua família.

A simples ideia de alguém preso entre rochas, sem água, comida, enfrentando o calor durante o dia e o frio congelante à noite, vendo a sua mão apodrecendo e os insetos rondando, sabendo que se houver algum resgate (já que ninguém sabe onde está), pode ser tarde demais, já é perturbadora. Agora, imagine partilhar, com a vítima, as tentativas de cortar, com um canivete cego, a mão esmagada. Sadismo? Talvez, mas o relato de Aron, no livro Between a Rock and a Hard Place, é de um otimismo inacreditável e com algumas tiradas até bem humoradas (quando reza para Deus ou pede ajuda ao Diabo), não sei se por conta das lembranças da agonia já passada ou se porque naquela naquelas horas o melhor era realmente manter o moral alto. Otimismo também presente, de forma mais exacerbada, no filme de Boyle, que faz uma narrativa mais visceral, num mix interessante de linguagem e de enfoque, fazendo parecer um programa especial esportivo, com fotografia (de Anthony Dod Mantle e Enrique Chediak), corte, montagem (de Jon Harris) e trilha (A.R. Rahman) alucinantes.


Numa experiência bizarra, enquanto lia trecho do livro de Aron Ralston, (ainda inédito no Brasil), publicado na versão online da revista Go Outiside, ouvia não a diversificada e marcante trilha sonora de A.R. Rahman, para o 127 Horas, mas a bela trilha de Alexandre Desplat, para o admirável O Discurso do Rei (The King’s Speech, 2010), e ela casou perfeitamente com os parágrafos e a intensidade do texto. Não sei se trilha é uma questão de momento, já que tanto pode ser superior ou inferior à obra ou ter absolutamente nada a ver com ela. No entanto, se é interessante escrever sobre um filme, ouvindo a trilha original, num desafiador exercício de lembrar onde ela pontua, também vale as variantes contrárias e inesperadas de trilhas outras.

Independente da liberdade cinematográfica de Danny Boyle, 127 Horas é um bom filme, tem uma direção segura, um James Franco inspirado e esforçado, aproveitando o excelente momento, mas vale ressaltar que, quem tem estômago fraco ou sofre de claustrofobia, e não pode nem ouvir falar das autópsias da série CSI, pode se incomodar.

Nota: Para saber mais sobre o livro Between a Rock and a Hard Place, de Aron Rastron, sugiro os sites Go Outside (português) e Spiritual Lyfit (inglês).

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