domingo, 22 de abril de 2012

Crítica: O Príncipe do Deserto



As aparências realmente enganam. Quem pensa que O Príncipe do Deserto (Black Gold, França, Itália, Tunísia, Catar, 2011), de Jean-Jacques Annoud, tem a ver com O Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo (Prince of Persia: The Sands of Times, 2010), de Mike Newell, está atolado em outro deserto. A sua trama está mais próxima de uma crônica de costume do que de uma lenda maravilhosa (apesar do seu encantador clima de 1001 Uma Noites), como pode erroneamente sugerir o título. Árabe por Árabe, o mais próximo, se o espectador insistir (mesmo) em comparar adagas, é o fabuloso Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia, 1962), de David Lean..., por causa da (sempre) nefasta aculturação.


A narrativa ágil conduz o público a uma mítica Arábia do início do século 20, com suas tradições e contradições, onde dois líderes guerreiros põem fim a um conflito tribal. Nesib, Emir de Hobeika (Antonio Banderas) e Ammar, Sultão de Salmaah (Mark Strong), decidem que nenhum dos dois ocupará uma faixa de terra chamada de Cinturão Amarelo, entre as duas cidades. Para selar o acordo, conforme o costume, Nesib, a pretexto de “adoção”, toma como reféns os dois filhos de Ammar, o jovem Saleeh (Akin Gazi) e o garoto Auda (Tahar Rahim). Anos depois Nesib recebe a visita de um americano (Corey Johnson), representante da indústria petrolífera do Texas, interessado em explorar petróleo (black gold). A proposta é vantajosa para Nesib (e seu povo), que sonha com escolas, hospitais, estradas..., mas um detalhe pode emperrar a negociação, o pedaço de terra que interessa ao texano é exatamente o Cinturão Amarelo. Uma ferida mal cicatrizada pode voltar a sangrar e os filhos de Ammar, bem como os de Nesib, talvez não sejam moeda de troca suficiente para acalmar os ânimos, se o acordo de paz for quebrado.


Baseado na adaptação de Menno Meyjes, para o livro South of the Heart: A Novel of Modern Arabia (1957), do escritor suíço Hans Ruesch, o diretor francês Jean-Jacques Annoud realizou um filme fascinante. Intenso e sem receio de se perder numa nuvem de poeira, ele cavalga pelo deserto, costurando pequenos assuntos caros aos árabes e também aos capitalistas ocidentais, colocando em cena uma oportuna discussão sobre os valores da tradição (religiosa) e a importância do desenvolvimento (socioeconômico), na leitura secular do Sagrado Alcorão e na visão imediatista do Profano Petrodólar. Um pragmatismo que pode não ser (de todo) assimilado pela grande plateia, sempre à cata de histórias fáceis e que não exijam muito dos seus neurônios.


O Príncipe do Deserto é um belo drama de proporções épicas (com romance e ação), que foge ao estabelecido pela indústria americana. Todavia, como petróleo no olho dos outros é colírio colorizante, compreende-se (até) porque ele não caiu no gosto (também da crítica) estadunidense. Será que o maquiavélico final tem algo a ver com a indigestão? O tio do sonso que o diga, se a hipocrisia o permitir!

Emoldurado pela magnífica fotografia de Jean-Marie Dreujou, o filme emociona ao mergulhar nas multicolorida cultura árabe, desvelando cenários de beleza ímpar. O elenco é competente na sua discrição e distanciamento, evitando a criação de personagens caricaturais. A trilha, grandiloquente, incomoda um pouco, porém não chega a atropelar a narrativa que trabalha muito bem as inquietações do protagonista Auda, cujas ações podem parecer previsíveis, numa leitura apressada. Afinal, a jornada do herói é um conceito (literário) “universal”, exaustivamente explorado por escritores, roteiristas hollywoodianos e já faz parte do inconsciente do espectador que, dependendo do objeto de interesse, finge não perceber a história “revivida”. O Príncipe do Deserto é um espetáculo que, se não satisfizer no todo, com certeza vai encantar nos detalhes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...