quarta-feira, 27 de março de 2013

Crítica: Jorge Mautner - O Filho do Holocausto



Jorge Mautner é um dos mais originais autores e compositores brasileiros. Conheci casualmente a sua literatura e música ainda nos anos 1970. Nessa época morava em Santo André e sempre ia a São Paulo, a Capital Cultural do Brasil onde se encontra de tudo (do arco da moça ao arco da velha), e passava o dia assistindo a vários filmes, indo a livrarias e visitando sebos.

Naquele tempo era comum encontrar pessoas vendendo livros “usados”, espalhados em uma lona ou pano, na calçada. Foi assim que encontrei à venda, numa manhã de sábado, na Avenida São João, os livros Deus da Chuva e da Morte (Editora Martins Fontes, 1962) e Narciso em Tarde Cinza (Editora Exposição do Livro, 1965). Sabia quase nada de Mautner, mas estudava Mitologia Grega e achei que tinha a ver. Paixão total! Nunca havia lido nada tão arrebatador e moderno (como se dizia). Nem mesmo o perturbador PanAmérica (Editora Tridente, 1967), do José Agrippino de Paula, que logo depois encontrei num saldão, mexera tanto comigo. Ao saber que os dois volumes faziam parte da Mitologia do Kaos, saí fuçando em tudo quando era canto e acabei encontrando o Kaos (Editora Martins Fontes, 1963)..., também na calçada. Não demorou e conheci o seu desconcertante e (para mim!) melhor disco: Para Iluminar a Cidade (Selo Pirata - Polygram, 1972).

Continuei lendo e ouvindo Jorge Mautner com satisfação, mas sem o mesmo impacto inicial da sua trilogia iluminando a cidade e fazendo cabeças. Tive depois apenas mais uma sensação de total arrebatamento literário, se bem que noutro contexto (muito outro!), com o romance Zero (1975), do Ignácio de Loyola Brandão. Mas isso é outra história..., e candanga.


Mautner está em algumas salas de cinema, iluminando a tela com a sua presença literária, filosófica e musical, no documentário Jorge Mautner - O Filho do Holocausto (Brasil, 2012), dirigido por Pedro Bial e Heitor D’Alincourt. O filme traça um panorama razoável deste genial artista (ainda de vanguarda!) que, para muitos, é um ilustre desconhecido. Para tanto, traz uma boa seleção de números musicais (gravada especialmente para o doc), com participações de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Nelson Jacobina (1953 - 2012); trechos de livros (em leitura meio enfadonha pelo autor); cenas de O Demiurgo, filme dirigido por Mautner, quando do seu exílio em Londres; e lembranças memoráveis de pessoas próximas ao homenageado, como o multiartista José Roberto Aguilar, que relembra a amizade nascida na adolescência.

O documentário, que não foge ao (vicioso) formato padrão-tv, apesar de buscar a abrangência biográfica de Mautner, não esgota o assunto... Por conta da narrativa (acadêmica-tv?) deixa a sensação de estar faltando pedaços (importantes!). Jorge Henrique Mautner, filho da austríaca e católica Anna Illich e do judeu-austríaco Paul Mautner, refugiados da 2ª Guerra Mundial, é autor de uma obra cuja reflexão filosófica, pertinente ao mundo que se quer civilizado, merece ser (re)vista e ou (re)conhecida. E ouvida!

É difícil precisar o interesse da nova geração de espectadores por Jorge Mautner, o também pai da diretora de telenovelas Amora Mautner. Aliás, os dois propiciam a melhor e mais divertida sequência do doc: Amora fala dos seus traumas infantis (em família) e Mautner desvela a inusitada e bonita origem do nome Amora. O filme, apesar de problemas técnicos (captação de áudio) e excesso de preciosismo, vale pela presença (sempre!) cativante de Jorge Mautner.

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