É sempre a glória, para um autor, fazer sucesso
e ter o seu livro cobiçado pelos grandes estúdios de cinema. É sempre aflitivo,
para um autor, ter de aceitar as mudanças (necessárias?) em sua obra para que
ela ganhe as telas. Por isso muito autores se recusam a vender os direitos e
outros preferem adaptar e dirigir a própria obra, como Stephen Chbosky e o seu
maravilhoso As
vantagens de ser invisível (2012).
A negociação entre Walt Disney e a escritora
australiana P.L Travers, para a versão cinematográfica de Mary Poppins, durou 20 anos, e ela só cedeu ao assédio, porque
passava por dificuldades financeiras. É o que dizem e é o que a gente vê no
envolvente Walt nos Bastidores de Mary
Poppins (Saving Mr. Banks, 2013),
com direção de John Lee Hancock e roteiro
de Kelly Marcel e Sue Smith, que saciaram a sede no documentário australiano The Shadow of Mary Poppins, de Lisa
Matthews (2002), baseado no livro Out
of the Sky She Came, de Valerie Lawson.
Há uma insistência da crítica em classificar o
filme como cinebiografia de Pamela Lyndon Travers (1899-1996). O que me parece
um equívoco, já que o filme, dividido em duas partes e um epílogo, registra
apenas a sua passagem de duas semanas, em 1961, pelos Estúdios Disney, para
(literalmente) discutir com roteiristas, compositores e o próprio Walt Disney a
adaptação de Mary Poppins, e (em flashback) o traumático sétimo ano da
sua infância, como Helen Lyndon Goff (nome de batismo), em 1906, na Austrália. Se
não for vacilo do continuísta, o “tour de
force” em LA teria durado menos que a florada da cerejeira (que é de uns
dez dias), já que, quando Pamela saiu de Londres, as cerejeiras da sua rua
estavam floridas tanto quanto na sua volta.
Enquanto a passagem de P. L. Travers (Emma Thonpson) por Los Angeles pode ser
comprovada com a gravação em fita, exibida nos créditos finais, a infância conturbada,
com a família em crise financeira, o pai Robert
Travers Goff (Colin Farrell)
alcoólatra e a tia “conserta tudo” Ellie
(Rachel Griffiths), que teriam
inspirado o livro Mary Poppins, pode
ser especulação, meras deduções pela relutância dela em aprovar a versão
Disney. Travers era uma mulher estranha
que, além de relacionamentos amorosos complicados, fazia mistério do seu passado.
Por isso não se tem certeza se o que ela dizia (sobre sua família) era fato ou
boato. E ou se Mary Poppins é mesmo a
sua grande catarse. Acredito que o filme tenha um pouco de fatos e outro tanto
de achismo e fantasia, afinal isso é Disney e isso é Hollywood. E isso é o que
menos importa, já que o enredo é cativante e (todas) as interpretações são formidáveis.
O título original Saving Mr. Bank (Salvando Mr.
Bank) é mais fiel ao argumento do que o brasileiro Walt nos Bastidores de Mary Poppins, já que se refere à negociação
de um dos mais difíceis pontos de adaptação do roteiro: a caracterização do
banqueiro Mr. Bank, personagem muito
querido por Travers. É claro que o magnata Walt
Disney (Tom Hanks) estava atento
às reuniões da equipe, mas não onipresente nos bastidores. O foco narrativo é a contraditória escritora Travers (adulta) e a inocente e
sonhadora Helen (Annie Rose Buckley), na infância. Quando uma é luz, a outra é
sombra. O que acaba dando um ar de cineterapia ao drama. É fascinante o
subtexto da guerra psicológica entre o empresário de cinema e a criadora por
uma famosa criatura. Todavia, para um bom observador, a sequência-prognóstico de
Walt à Pamela, em Londres, é totalmente dispensável.
Walt
nos Bastidores de Mary Poppins é um filme inteligente, muito
bem escrito, que se vê com agradável interesse, mesmo que o constante ir e vir (entre
1961 e 1906) altere o humor (inglês), a fantasia, o ritmo e a cor do drama. Não
é um filme para crianças (que vão se aborrecer com a ”falação”), pois não se
trata da filmagem do clássico Mary Poppins, com suas animações e músicas
mirabolantes, e, sim, da sua pré-produção. Mas deve tocar fundo aos escritores
(ou artistas em geral) que já sentiram na pele o dilema de uma negociação do
“inegociável”..., argumentando nãos na iminência inexorável do sim.
Há 80 anos Mr.
Banks chegou ao mundo, nas páginas do primeiro livro da série de oito
volumes de Mary Poppins. Há 50 anos a
sua criadora o “salvou” da caricatura financeira (?) proposta por roteiristas
da Disney. A história da histórica reunião de bastidores é tão excitante quanto
a do adorável Hitchcock (nos
bastidores de Psicose), de Sacha
Gervasi. Talvez não esteja completa (há controvérsias em material online) e nem
seja tão oficial, assim. Mas ela é cativante! É o que conta! E o mais incrível,
Walt Disney, neste irônico filme da Disney (!), deixa-se fotografar também pelo
seu lado menos fotogênico.
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