terça-feira, 28 de outubro de 2014

Crítica: Boyhood - Da Infância à Juventude


Excetuando as franquias baseadas em obras literárias, que vão empurrando com a barriga, digo, bilheteria, o meio e o fim da história lá pro terceiro e ou quarto episódio, os filmes normalmente se bastam numa mesma produção. Se não for algo como, por exemplo, a saga de Harry Poter, que levou 10 anos para se rodada (2000-2010) em oito filmes, praticamente com o mesmo elenco principal, garantindo a fidelidade dos fãs pelo mesmo período nas salas de cinemas (2001-2011), e ou as animações (em média três anos), em geral, entre um e dois anos uma ficção chega ao cinema.

Foi curioso ver as garotada de Harry Poter crescendo e virando adolescente, mas nada que se compare ao processo de envelhecimento dos personagens de Boyhood – Da Infância à Juventude, principalmente do casal de irmãos Mason (Ellar Coltrane) e Samantha (Lorelei Linklater). A mais recente e impactante obra do genial diretor Richard Linklater, que já havia desafiado a passagem do tempo nos antológicos Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr do Sol (2004) e Antes da Meia-Noite (2013), narrando com naturalidade impressionante os encontros e despedidas do casal Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy), agora conta a história de um garoto no decorrer de doze anos. Filmada em breves períodos, de 2002 a 2013, ela começa com o menino Mason (Coltrane), aos seis anos, vivendo com a mãe Olívia (Patricia Arquette) e a irmã Samantha (Linklater), de nove anos, e termina com o jovem-adulto Mason aos dezoito.


O roteiro, do próprio Linklater, é extremamente simples e envolvente: fragmentos do cotidiano de uma família norte-americana moderna, porém comum, cuja mãe, divorciada, cuida do casal de filhos, enquanto o ex-marido e pai-ausente Mason (Ethan Hawke) vaga pelo mundo em busca de si mesmo. A história que Linklater conta foi sendo construída conforme o seu encontro anual com o elenco protagonista (Coltrane, Lorelei, Arquete, Ethan) e coadjuvante.

É uma história mais ou menos linear e no ritmo das batidas de um relógio com pouca corda, onde, aos minutos, vão sempre se juntando e ficando para trás, em segundos, personagens novos (amigos, namorados, filhos, eleitores). Num tic-tac moroso, apenas a essência da vida em movimento de Mason (filho) e o seu redor de novidades ligeiras interessa. É esse movimento da vida e do tempo, a cada ano e estação, que fascina, apagando e redesenhando o físico anterior, principalmente do casal de irmãos: graciosos, desengonçados, definidos.


O curioso é que a gente só nota mudanças físicas em nós e nas pessoas próximas em fotos e ou filmes. Por isso dá pra imaginar o “susto” que Coltrane e Lorelei devem ter levado ao verem a “metamorfose” sofrida nos últimos doze anos. Vale lembrar que, excetuando o diretor e a montadora Sandra Adair, que editavam o filme a cada gravação (durante 144 meses), ninguém mais da equipe sabia a narrativa que estava sendo costurada e como seria o ponto final do chuleado. Tampouco se o interesse de todos os envolvidos se manteria até o último “Corta!” e ou se algum imprevisto por morte, mudança de país e ou..., mudaria o rumo do projeto. Bem, ao menos em caso de morte de Linklater, o diretor já havia incumbido o seu amigo e parceiro Hawke de seguir em frente com a obra.

Boyhood - Da Infância à Juventude é um filme ousado, por isso singular na linguagem convidativa a um público que prefere o desafio de ser enredado ao novo à confortável rede bíblica de clichês abençoados. Diálogos mínimos (quase desnecessários), sequências impagáveis, como a de Mason (pai) discutindo sexualidade com os filhos, fazem dele uma divertida e emocionante jornada épica cujos capítulos surpreendem ao desvelar o prazer e a dor do apego e ou desapego às pequenas coisas da vida..., inclusive à família. Enfim, Richard Linklater só não economiza na criatividade.  


É como diz o belo samba enredo O Amanhã, de João Sergio, para o Carnaval de 1978 da União da Ilha do Governador: (...) Como será o amanhã?/ Responda quem puder.  O que irá me acontecer?/ O meu destino será como Deus quiser./ Como será?... Então, que o amanhã seja como tiver que ser.

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