segunda-feira, 15 de junho de 2015

Crítica: Divertida Mente


Nascemos com os sentimentos à flor da pele..., para serem moldados ou talvez para nos moldar. O mundo pós-útero é cheio de surpresas. As emoções se alternam conforme se alternam os dias e os anos, os laços familiares e os sociais. O tempo de cada um é único. Podemos dar conta disso quando criança ou ir tropeçando na esperança, vida afora, até conquistar o perfeito (?) equilíbrio.

Divertida Mente (Inside Out, 2015), a mais recente produção da Pixar, chega para bem misturar os sentidos de qualquer espectador, criança ou adulto. A fascinante animação desenha-se quase toda na mente de Riley, uma garota de 11 anos que tem uma vida confortável com a sua família e amigos, em Minnesota, onde pratica o hóquei, e quando se muda para São Francisco, com os pais, experimenta pela primeira vez um conflito de emoções. Riley estranha a casa, escola, a cidade..., e é neste contexto de sentimentos embaralhados, quando lhe parece faltar o chão, que a Alegria e a Tristeza, numa empolgante jornada extrassensorial, buscam restabelecer a sua autoconfiança, abalada ainda mais pela Raiva e pelo Medo de não se sentir confortável numa nova cidade.


A ousada animação, dirigida por Pete Docter e Ronnie del Carmen,  acompanha o desenvolvimento físico e mental de Riley, do nascimento à pré-adolescência, traçando um saboroso drama psicológico leve, protagonizado por cinco sentimentos muito bem definidos na cor e na forma: a elegante Alegria é amarela e de cabelo azul; a grande Tristeza é toda azul; o fino Medo é lilás, a pesada Raiva é vermelho-fogo e a estilosa Nojo é verde. Cada um, com a sua função definida ou ao seu modo busca a melhor forma de manter a vida da menina em plena harmonia. O que não é nada fácil em momento de crise.

Aliás, crescer é nada fácil, em qualquer tempo, já que a cada dia há uma novidade para ser explorada, absorvida e arquivada na memória, onde talvez seja esquecida ou resgatada no futuro. A velhice é um celeiro de lembranças que variam conforme a necessidade de partilha e ou de aconchego. Mas Riley não tem como saber disso, ainda é uma garota cheia de querenças relacionadas à sua idade, ao seu tempo e às dúvidas dos contratempos. O seu arquivo mental está em formação e há ainda muito espaço a ser ocupado e, temporariamente, até mesmo ser desocupado.


Apesar do argumento um tanto abstrato (sentimentos), Divertida Mente tem uma narrativa simples, acessível a qualquer público, principalmente ao infantojuvenil que (assim como o adulto) vai se identificar rapidamente com o dia a dia repleto de emoções (boas ou ruins) de Riley. A animação - que se possível deve ser vista em 3D, pois no terceiro ato há um questionamento fantástico sobre desconstrução e dimensões do pensamento e dos sentimentos - diverte e também orienta (sem didatismo ou pieguice) os pequenos (e os grandes!) a lidar com os imprevistos e os exageros das emoções cotidianas. Um prato cheio de significâncias médicas que psicólogos e psiquiatras degustarão com muito prazer.


Divertida Mente, cujo padrão técnico da Pixar dispensa qualquer comentário, tem achados e soluções incríveis no inteligente roteiro de Docter, Meg LeFauve e Josh Cooley, como por exemplo a hilária produção dos sonhos e pesadelos, a criação lúdica de um amigo imaginário, ou a inacreditável viagem pelo pensamento. São muitas as belas alegorias e a tentação de desvelá-las nessa resenha. Mas é claro que não o farei, elas devem ser apreciadas pelo espectador no devido momento em que um facho de luz iluminar cada uma delas na inusitada viagem pela mente (cheia de surpresas) de Riley.

Há sutilezas de gênero nessa obra conceitual que investiga a mente de uma criança e cutuca dos adultos..., ou como nos créditos finais, também dos animais. A originalíssima animação tem humor saudável, nonsense..., mas algumas piadas relacionadas à vida em São Francisco (ou mesmo nos EUA) se perdem na tradução/dublagem. Acho que é isso! Enfim: Magnífico!

Ah, Antes que me esqueça, uma informação aos mais afoitos, o desconcertante Divertida Mente não é nenhuma versão infantil do igualmente desconcertante Quero ser John Malkovich (1999), de Charlie Kaufman.



Nota: Precedendo a animação, há o curta musical animado Lava, que canta a romântica história de um vulcão solitário em busca de companhia tão vulcânica quanto ele.

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