quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Crítica: A Visita


Para quem gosta de psicopatias, o thriller A Visita é um prato cheio e com direito à sobremesa agridoce. Escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, o promissor diretor de O Sexto Sentido (1998), Corpo Fechado (2000), Sinais (2002), e que depois de A Vila (2004) caiu em desgraça com a crítica, principalmente americana, parece estar fazendo as pazes com esta nova produção que busca um diferencial no já batido estilo filme encontrado (found footage).


A Visita segue apenas os registros das câmeras do casal de irmãos adolescentes Becca (Olivia DeJonge), aspirante a cineasta e Tyler (Ed Oxenbould), aspirante a rapper, que está realizando um documentário doméstico sobre sua família, na esperança de reconciliar a mãe (Kathryn Hahn) com os avós Nana (Deanna Dunagan) e Pop Pop (Peter McRobbie ), a quem vão visitar por uma semana numa remota fazenda na Pensilvânia. Os jovens, que não conhecem os avós, nem por fotos, são bem recebidos pelos velhos e ficam encantados com o carinho e a fartura de comida, embora estranhem a regra para não saírem do quarto após as 21h30 e que no local só tenha sinal para internet e não (?) para celular..., também não demoram a estranhar o comportamento bizarro dos idosos. Na inocência, acreditando ser coisa da idade, não levam muito a sério (a bipolaridade senil noturna e diurna), até a situação sair de controle e se verem obrigados a pedir socorro à mamãe, que saiu de férias com o atual namorado e com quem conversam diariamente via notebook/Skype.

A Visita conta uma história iluminada (infância), porém sombria (velhice), como geralmente são os Contos de Fada..., onde nem sempre a metáfora faz o contraponto. Um universo fantástico que Shyamalan domina muito bem, já que vem de um país (Índia) de cultura mítica riquíssima e está sempre trabalhando fragmentos dessa cultura na base de suas narrativas cinematográficas..., infelizmente nem sempre de modo acessível (assimilável) ao grande público. O que não parece ser o caso de A Visita, uma interessante alegoria que, nos bastidores do medo, trata de solidão, perdão e redenção, nas diversas fases da vida de uma família, onde o amor, feito moeda de troca, balança entre o alto e o baixo do real e do imaginário.


Dito assim até parece que estou a falar de uma historinha infantil, mas não estou. O foco de A Visita é o transtorno (mental), que mesmo não discutido e ou aprofundado em cena é facilmente percebido desde as primeiras palavras da mãe (Hahn) em entrevista à filha Becca (DeJonge), na pegadinha (metalinguagem?) da abertura (?) do filme. O seu suspense cresce na medida em que os personagens (avós, mãe e filhos) se desvelam diante das câmeras e os acontecimentos sinistros (com suas explicações banais) se multiplicam. Haja divã para tanta neurose familiar. A se acreditar naquela frase atribuída a Caetano Veloso, in Vaca Profana, mas que seria de Machado de Assis: de perto ninguém é normal, o melhor é acrescentar: nem de longe..., uma vez que nesse tipo de trama as aparências enganam, mesmo deixando rastros.

Certo de que um thriller fiel ao estilo filme encontrado tem lá suas “precariedades” e que qualquer “desculpe a nossa falha técnica” é desculpável e pode ser usado em seu favor, Shyamalan absorve muito bem esse “recurso” (ou desculpa) no desenvolvimento de um bom enredo, sem se sentir culpado pelos cortes abruptos e por não se aprofundar demasiado na psique (atormentada) dos personagens. Ou seja, sabe-se mais do presente do que do passado de cada um. Assim, conforme a leitura do espectador, o terror psicológico (inicial) pode vir a ser mais apavorante e perturbador do que o terror físico catártico (final), talvez por este parecer menos verossímil, ainda que “explícito”.


A Visita, salpicado de humor negro e referências ao conto João e Maria (Hänsel und Gretel), recolhido pelos Irmãos Grimm, com toda a sua carga original de horror, é uma produção baratíssima, se comparada aos padrões hollywoodianos, custou apenas cinco milhões de dólares. É claro que a marola found footage (câmera na mão dos protagonistas) ajudou muito nesta economia. Ou será que não? Excetuando os truques para as câmeras amadoras (?) parecerem câmeras em mãos amadoras, praticamente sem tremedeira, na há efeito especial. A narrativa se vale mais da maquiagem e da cenografia possível no enquadramento de algumas cenas impossíveis (!) para criar o clima de suspense entre a luz (inocência) e a sombra (demência).

Enfim, considerando que o roteiro de Shyamalan é curioso e o seu alinhavo tem boa consistência; que um ou outro ponto solto não chega a comprometer a fantasia macabra; que o elenco internacional é formidável; que com tanto conhecimento técnico de cinema a personagem Becca só pode ser o alter ego de Shyamalan que, por sinal, faz uma excelente direção; que o estilo filme encontrado (found footage) é explorado satisfatoriamente num thriller que concilia bem o suspense com o humor negro..., A Visita é um filme acima da média. Só não vai sair do cinema achando que só porque os seus avós estão te paparicando muito e...

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