sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Crítica: O Estranho Que Nós Amamos

O Estranho Que Nós Amamos
por Joba Tridente

A chegada aos cinemas do filme O Estranho Que Nós Amamos, com Nicole Kidman e Colin Farrel dirigidos por Sofia Coppola, deve despertar em muitos espectadores o interesse em conhecer a perturbadora versão homônima de 1971, dirigida por Don Siegel (1912-1991) e estrelada por Clint Eastwood e Geraldine Page (1924-1987). Embora baseados na novela A Painted Devil (1966) de Thomas Cullinan (1919-1995), o foco de ambos é, digamos, sexualmente diferente...


Em sua releitura de O Estranho Que Nós Amamos (The Beguiled, 2017) Sofia Coppola, que disse ter escrito o roteiro a partir da novela e não do filme de 1971, transfere a ação ambientada na Louisiana (1863), durante a Guerra Civil Americana, para a Virginia (1864), sul dos EUA, quando Miss Martha Farnsworth (Nicole Kidman), acolhe nas dependências do seu internato feminino, um soldado ianque ferido, John McBurney (Colin Farrell). Conforme recebe cuidados médico e se restabelece, o “bendito fruto” desperta as mais diversas sensações (e desejos) nas sete mulheres residentes..., gerando ciúmes, assédios e tensão sexual, principalmente entre a diretora Martha (Kidman), a professora de francês Edwina (Kirsten Dunst) e a adolescente Alicia (Elle Fanning).


Quando um realizador faz a releitura de uma grande obra, espera-se que seja para acrescentar algo que tenha passado despercebido do espectador/leitor. O que não é o caso de Sofia Coppola com sua adaptação quase singela de O Estranho Que Nós Amamos..., não fosse o impactante final. A direção é perfeita! A performance do elenco é excelente! Esteticamente é belíssimo. Irretocável! Mas tem um porém, seu roteiro não provoca, não excita. É pudico demais ao falar de desejo sexual reprimido das mulheres e jeitoso demais ao tratar da hipocrisia religiosa. O soldado McBurney, Ferrel, não tem malicia e nem é dissimulado e sedutor quanto o “donjuán” McB, de Eastwood, que age feito um Lobo Mau na iminência de um ataque ao “galinheiro”. Diferente da tensão psicológica causada pela presença de um estranho no ninho, crescendo a cada fotograma, na leitura de Siegel, na versão de Coppola o clima de ameaça praticamente ganha força só no epílogo. E até lá o público será poupado (?) de algumas cenas fortes (não vou cometer spoiler!) por conta da moda elíptica que abrevia tudo, até o tempo.


Mesmo sem ter lido a novela de Cullinan, é impossível não comparar as duas versões cinematográficas. Enquanto o filme de Siegel (talvez o seu melhor trabalho) é um excelente thriller psicológico, intenso e apavorante, do princípio ao fim, Coppola opta por um drama bem mais leve, quase bucólico. Ou melhor, opta por uma versão politicamente correta..., excluindo ou passando ao largo de todos os ferrões incômodos ao (seu) público mais sensível (escravidão, pedofilia, incesto, orgia, lesbianismo) e da rica simbologia dos objetos de arte, figurinos e animais (corvo acorrentado, galinhas poedeiras, tartaruga inocente, taturana sacrificada) que, além de pertencimento, dão forte conotação sexual à narrativa de Don Siegel. Assim, comparado à recatada sensualidade do filme de Sofia, a sublime sequência alegórica do sonho de transgressão sexual, numa releitura provocativa do quadro Corpo Morto de Cristo/Pietá (1495), de Sandro Bottcelli (1445-1510), a versão erotizada de Don pode até ser considerada pornográfica, pelos mais puritanos.


Enfim, considerando o que escrevi acima, se optar por não assistir antes (e ou depois) a versão de O Estranho Que Nós Amamos (1971), com certeza dará uma boa acolhida ao bonito “remake” de Sofia Coppola, que apenas optou por oferecer menos, quando o texto (em questão) pede mais. De uma forma ou de outra, saiba que, se hoje a fotografia de Philippe Le Sourd inebria os sentidos, ontem a fotografia de Bruce Surtees (1937-2012), arrepiava a alma...


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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