quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Crítica: Em Busca de Fellini


Em Busca de Fellini
por Joba Tridente*

O premiadíssimo diretor italiano Federico Fellini (1920-1993) foi um dos maiores cineastas internacionais e um dos raros a se tornar adjetivo (cinema felliniano: surreal, onírico, grotesco, fantástico) ainda em vida. A norte-americana Nancy Cartwright é uma atriz e premiada dubladora (de Bart Simpson há 29 anos) que, aos 28 anos de idade (1985), viajou para a Itália em busca do mestre Fellini (na intenção de comprar os direitos de La Strada para o teatro) e passou por experiências inusitadas. A europeia Ksenia Solo (nascida na Letônia) é a premiada atriz que interpreta Lucy (“alter ego” de Nancy), a garota ingênua do Ohio que, aos 20 anos de idade, vai à Itália em busca do seu (novo) ídolo Federico Fellini e acaba por encontrar a si mesma.


Em Busca de Fellini (In Search of Fellini, EUA/Itália, 2017), dirigido por Taron Lexton, é um melodrama, com alguma comicidade, inspirado nas memórias de viagem de Nancy Cartwright, que desenvolveu o roteiro em parceria com Peter Kjenaas. A história fantasiosa acompanha a jornada de nascimento e renascimento de Lucy (Ksenia Solo), uma garota ingênua de Ohio (EUA), criada pela mãe superprotetora Claire (Maria Bello) para viver num mundo de Contos de Fadas, livre de qualquer perigo da realidade, incluindo homens. Hãnnn?! Em 1993, aos 20 anos (com a inocência de 13) ela nunca trabalhou ou namorou ou ousou ir além do seu jardim, mesmo tendo uma lambreta. Passa os seus dias cor-de-rosa ao lado da mãe, assistindo a filmes americanos edificantes (em preto em branco) ou desenhando infantilidades. A tia Carrie (Mary Lynn Rajskub) não aprova a “educação sem males” da sobrinha, mas pode fazer nada.


Um dia Lucy decide que é hora de tomar um rumo na vida. Já que gosta de filmes, resolve trabalhar com cinema. Lê o anúncio de uma produtora e, mesmo sem qualquer experiência, vai atrás da vaga, que não era exatamente o que ela esperava. No sufoco do contratempo, assiste ao clássico A Estrada da Vida (La Strada, 1954), de Fellini. Deslumbrada com o magnífico drama dirigido pelo italiano, dispõe-se a ver todos os seus outros filmes, mergulhando num mundo novo e provocador muito além da sua imaginação. Totalmente envolvida pela audaciosa obra de Fellini, ela resolve conhecê-lo..., embarcando sozinha numa extraordinária viagem (algo reflexo da sina de Gelsomina/Giulietta Masina) para a Itália, onde realidade, sonho e pesadelo se confundem em sua “estrada”.

Vale ressaltar que Em Busca de Fellini não se trata de filme-tese sobre as obras de Fellini, ainda que as irmãs conservadoras Claire e Carrie, tentando entender o que Lucy viu naqueles filmes esquisitos (para elas), teçam comentários pouco lisonjeiros ao diretor e à sua filmografia, ou que no seu itinerário italiano a garota ouça considerações enaltecedoras a eles. Assim como nem tudo que está “fora de ordem” na trama é felliniano e ou moralismo americano.


Deixando a inverossimilhança de lado (garota que nunca trabalhou ter economias; garota que nunca viajou, nem mesmo pelo seu país, ter um passaporte à mão; garota que, de um dia pro outro, consegue o telefone de Fellini, agenda visita e embarca às cegas num voo para Roma) é até possível curtir este (bem intencionado) filme referência e reverência ao Il Maestro. O público que nunca (?) assistiu a um Fellini original pode estranhar e ou não compreender os clipes fragmentados de clássicos como A Doce Vida, Noites de Cabíria, Satyricon, A Estrada da Vida, entre outros, que se embaralham (recriados) no enredo juvenil que vai da fantasia romântica (em Verona, de Romeu e Julieta) à luxúria (em Veneza, de Giacomo Casanova) e conciliação (em Roma, de Fellini)..., mas deve se deixar levar pela alucinante onda “carnavalesca” e ter algum de seus sentidos despertados para a obra felliniana.


O argumento de Em Busca de Fellini é bem interessante. Porém, o seu roteiro agridoce é raso..., simplório demais para a pretendida grandiosidade de “se encontrar” Fellini (e sua obra) por meio de uma mulher (aparentemente) adulta, mas com resquício inequívoco de uma garota ingênua. O excesso de alegorias fellinianas teatrais (algumas gratuitas) e clichês melodramáticos e turísticos (da Itália) comprometem um pouco a cadência narrativa, que claudica no terceiro ato. O elenco, incluindo atores que trabalharam com Fellini, é bom..., o que não chega a empolgar é a motivação da imprudente personagem Lucy. Sinceramente, é impossível imaginar que uma pessoa tão tola tenha chegado tão longe. Assim, com um furo de língua aqui e outro de costume acolá, dado o material roteirizado irregular, que merecia uma boa revisão, não se pode exigir muito mais do que a razoável direção de Taron apresenta. Afinal, é a visão norte-americana da cultura italiana em cena.

Embora a temática curiosa pudesse render muito mais que macarrão com molho de tomate..., não ficasse no saudosismo do hot-dog, Em Busca de Fellini vai encontrar seu público entre espectadores fellinianos e ou leigos pouco exigentes, já que a história edificante (no estilo Jornada da Heroína) não é de dar trabalho à massa cinzenta.


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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