sexta-feira, 23 de março de 2018

Crítica: Círculo de Fogo: A Revolta



Círculo de Fogo: A Revolta
por Joba Tridente*

Fã incontestável da fantasia de ficção científica Círculo de Fogo (Pacific Rim, 2013), fiquei surpreso e revoltoso ao saber que a (desnecessária) continuação Círculo de Fogo: A Revolta (Pacific Rim: Uprising, 2018) não seria também dirigida por Guillermo del Toro (A Forma da Água), mas pelo novato em cinema Steven S. DeKnight. Esta sequência, embora tenha ocupado a mente de quatro roteiristas (entre eles DeKnight), está muito aquém do impactante filme anterior, com a história original de Travis Beachan roteirizada por ele e del Toro. O que não quer dizer que não tenha material para agradar a um público (menos exigente) chegado a uma diversão passageira e esquecível com robôs e monstrengos alienígenas.


Passaram-se dez anos desde a morte do heroico Comandante Stacker Pentecostes (Idris Elba) em combate submarino com os Kaijus (Monstros Gigantes, em japonês). Agora que já não há mais carne, escama, estrume, piolhos etc dos lagartões para comercialização, a nova onda de muitos oportunistas, em meio ao caos, é roubar partes metálicas e eletrônicas das carcaças dos velhos robôs Jaergers (Caçadores, em alemão) e vender no próspero mercado negro. Um dos marginais catadores de “relíquias” é Jake Pentecostes (John Boyega), filho (sequer citado no filme anterior) do lendário Comandante Pentecostes e irmão da ex-piloto Mako Mori (Rinko Kikuchi), adotada ainda criança pelo seu pai (como se viu em sequência irretocável no filme anterior).

Toda via da virtude (tardia) no entanto, este rebelde sem causa, que já foi um promissor piloto de Jaerger, vai rever seus “instintos” criminosos ao se defrontar com a ladra adolescente prodígio Amara (Cailee Spaeny) e os dois forem parar no posto militar e centro de pesquisa onde Mako e o piloto Nate Lambert (Scott Eastwood) cuidam do treinamento de um grupo multiétnico de jovens. Por outro lado, enquanto os Kaijus não mandam notícias ácidas e as ondas quebram mansas no Pacífico, a empresa chinesa Shao Industries, dirigida pela inflexível Liwen Shao (Jing Tian), com assessoria do cientista (maluquete) Dr. Newt Geiszler (Charlie Day), ainda às turras com o também cientista (maluquete) Hermann Gottlieb (Burn Gorman), desenvolve drones para substituir pilotos humanos no exoesqueleto dos Jaegers.


Como nem sempre quantidade de cabeças pensantes significa qualidade resultante, ato a ato a impressão é a de que os roteiristas gastaram mais massa cinzenta na criação de um (até) razoável argumento do que no desenvolvimento do roteiro raso na sua previsibilidade..., ainda que (no previsível) guarde duas pequenas surpresas na prateleira de conveniências clichês. Daí que, se não há profundidade de conteúdo, evidentemente não há necessidade de um volume dramático maior que o rasteiro apresentado na narrativa linear direcionada para o grande público juvenil, mais ocupado com as divertidas (porém cansativas) cenas de destruição urbana que com o passado dos personagens (de diferentes etnias e classes sociais) e seus conflitos juvenis de rotina. Desse modo, uma vez que todos estão ali para enfrentar um inimigo em comum, o melhor mesmo é desapegar logo dos condenados, aceitando essa trupe sem passado (interessante ou não) e com suas idiossincrasias genéricas rumo a um futuro incerto. Sem personalidade na arena, sem torcida do espectador...

Se é inevitável a comparação entre os dois Círculo de Fogo, há que se notar que, no fascinante filme noturno de del Toro, mesmo com pouca luminosidade, é possível apreciar a variedade de formas e tamanhos dos lagartões e temer a sua selvageria Godzilla. Há um equilíbrio notável entre drama e ação, com pitadas de humor e redenção e algo trash nas sequências memoráveis de luta em terra e mar..., destaco as cenas do inesperado Berço de Newton, do divertido navio como arma e da comovente menina do sapato vermelho. A mim, esta vibrante e inesquecível obra de Guillermo del Toro, que decentemente homenageia a cinematografia japonesa com seus lagartões monstrengos e cidades de papelão, é um dos melhores filmes do gênero.


Na versão diurna do morno Círculo de Fogo de DeKnight, o destaque maior fica para os fantásticos Jaergers (o que chama mais a atenção é um alaranjado que lembra o Deadpool), já que os ameaçadores Kaijus não são muito distintos uns dos outros. Seus personagens humanos (com a profundidade de um pires raso) são generosamente genéricos e (vendo de fora), com alguma ousadia (sul-coreana?), poderiam render muito em um outro contexto, digamos marginal e ou desmilitarizado. Há boas cenas de luta, sem dúvida, com destaque para os embates na Sibéria e no Monte Fuji, e umas duas gags visuais engraçadinhas, envolvendo robôs e humanos..., mas não me lembro de algo realmente memorável no script que não sabe se direciona a história para o riso ou para as lágrimas.


Bem, se existe um segundo filme Círculo de Fogo, com movimentação intensa numa base militar de pesquisa científica e monitoração de aliens, é porque os Kaijus podem atacar a qualquer momento e o apocalipse temido por Stacker Pentecostes não está totalmente descartado. Óbvio! Mas, e quanto ao subtítulo A Revolta? A quê ou a quem serve (na primeira opção dos realizadores o subtítulo era Turbilhão/Maelstrom)? Será a Revolta dos humanos (em seus exoesqueletos robóticos Jaergers) por mais uma vez ter de enfrentar os Kaijus invasores? Ou será a Revolta dos monstruosos Kaijus por mais uma vez ter de enfrentar os Jaergers (com seus humanos em conexão neural) defensores da Terra? Hmmm, a se pensar.

Enquanto penso..., considerando que Círculo de Fogo: A Revolta é um thriller de ação e ficção científica juvenil; que a sua trama simplória está mais para diversão ligeira do que para reflexão; que todo o elenco apenas cumpre o combinado e nada mais; que a sua vocação para o humor, mesmo trash, é nula, uma vez que a dupla de cientistas (Newt e Hermann) perdeu totalmente a graça e o rumo; que, pra variar, a trilha sonora é insuportável, mas os efeitos especiais e o 3D IMAX são muito bons; notando que a ameaça no pós-crédito sugere continuidade (já ocorrida em 2013)..., pode ser que, além dos adolescentes despretensiosos ele agrade a algum público adulto distraído...


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...