quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Crítica: Tempos de Paz


por Joba Tridente

Tempos de Paz, a versão cinematográfica da montagem teatral Novas Diretrizes em Tempos de Paz, de autoria de Bosco Brasil, que em 2002, com a direção de Ariela Goldman, recebeu os prêmios Shell (Autor: Bosco Brasil, Atores: Tony Ramos e Dan Stulbach e Iluminação: Gianni Ratto) e APCA - Associação Paulista dos Críticos de Arte (Autor: Bosco Brasil e Ator: Dan Stulbach), chega agora aos cinemas, com a direção de Daniel Filho e, no elenco, a premiada dupla protagonista do teatro.

1945. A 2ª Guerra Mundial chega ao fim na Europa. No Brasil Getúlio Vargas, por conta da pressão dos EUA, anistia presos políticos. Em tempos de ditadura, qualquer brecha pode ser um aceno a Tempos de Paz e conciliações após anos de degradação humana nos porões do poder. É uma paz passageira e, como todos (que querem saber) sabem, não demorou para que os porões voltassem a ser ocupados para novas “correções” ditatoriais. É nesse período e clima de mudança aparente que entre os imigrantes europeus chega Clausewitz (Dan Stulbach), um ator polonês, desencantado com a profissão, que acredita num Brasil inexistente onde espera se tornar um agricultor. No meio do caminho, entre a alfândega e a terra ainda por conquistar, ele tropeça em Segismundo (Tony Ramos), o chefe da imigração da alfândega do Rio de Janeiro, ex-oficial da polícia política, ex-torturador de presos políticos..., que nunca foi ao teatro.

Feliz por estar no Brasil e querendo impressionar os encarregados da alfândega, ao recitar um poema de Carlos Drummond de Andrade, em português, Clausewits é confundido com uma nazista e se vê obrigado a provar o contrário ao frio e amargurado Sigismundo, que não esperava as reviravoltas políticas no país e na sua própria vida, com o fim da guerra. Acostumado a dar ordens (e muito mais em acatar), Sugismundo recebe, num sótão e num porão obscuros, Clausewits, para que este prove não ser um nazista fugitivo disfarçado de agricultor.

Em Tempos de Paz tudo é um grande teatro. A sala é um palco claustrofóbico onde Sugismundo usa todo o seu poder para intimidar os imigrantes e decidir se ficam ou se voltam para casa. A sala é o palco onde Clausewits terá que usar todo o seu recurso de ator para provar que é um agricultor ou um ex-ator ou ainda um ator que não acredita mais no teatro para a representação no pós-guerra. Nesta sala sombria um representará para o outro. Um tentará provar ao outro a sua infelicidade e a sua desgraça perante a raça humana. Um por ter torturado inocentes. Outro por assistir passivamente aos horrores da guerra. Crime político ou crime de guerra? O drama de um encontra eco na tragédia do outro. O final do embate é imprevisível. A culpa de ambos é imensa e tanto pode vencer aquele cuja dor é maior como aquele que se expõe mais.

Tempos de Paz foi roteirizado pelo próprio autor teatral, Bosco Brasil e, na adaptação cinematográfica, na representação da representação quem se sai melhor é Dan Stulbach. Tony Ramos, excede onde deveria ser mais comedido. O texto de Bosco Brasil é forte, pesado, dramático ao extremo e um vacilo da direção, pode por tudo a perder. Talvez por isso a discreta direção de Daniel Filho não compromete o que já está pronto desde o teatro. Não há invenção cinematográfica. Chega parecer um teatro filmado, principalmente quando o foco é Tony Ramos..., mas, na vez de Dan Stulbach a magia do ator e do personagem-ator se (com)fundem e mesmo no claustro a tela se ilumina.

O trailer de Tempos de Paz não é lá muito convidativo. O filme é bem menos tenso do que parece. Mas está longe de ser um drama leve ou de costume. Valorizando a palavra (e que palavra!) mais que a ação (implícita nos gestos..., nos olhos..., na voz) Tempo de Paz pode incomodar, pela sugestão do horror praticado no Brasil e na Europa (tortura física e mental e outras mazelas que só os humanos são capazes de praticar) e até mesmo cansar quem busca fluidez. Mas, longe da onda de filmes que cultuam temas como favela/tráfico/violência, é provável que encontre o seu público. Como Tempos de Paz é praticamente um filme de dois atores, já premiados no teatro pela mesma interpretação, não há muito que se destacar. A não ser, talvez, a marcante abertura, a discreta música de Egberto Gismonti e a fotografia correta de Tuca Moraes.

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