sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Crítica: Distrito 9



Na canção O Dia Em Que Faremos Contato, de Lenine e Bráulio Tavares, diz a letra: A nave quando desceu, desceu no morro./ Ficou da meia-noite ao meio-dia. (...) Os homens se perguntaram./ Porque não desembarcaram/ Em são Paulo, em Brasília ou em Natal.

Num futuro passado uma gigantesca nave estacionou no espaço aéreo de Johanesburgo. Muitos se perguntaram o porquê dela pairar justamente ali na África do Sul. Logo descobriu-se que ela estava com problemas mecânicos e em seu interior encontravam-se milhares de alienígenas doentes e subnutridos que, resgatados, foram instalados, provisoriamente, num acampamento. Vinte anos depois o acampamento virou uma fétida favela e os pacíficos alienígenas, que só desejam voltar pra casa, são mal tratados e explorados por todo mundo. Envolvidos com tráficos de armas, se alimentando de comida de gato e de coisas encontradas no lixo, enfrentando todo tipo de discriminação, eles vivem em constante atrito com os favelados sul-africanos. O Distrito 9, gueto em que estão concentrados, é um pavio rodeado de pólvora. O governo, que tem interesses escusos, pra tentar acalmar os ânimos e manter um domínio maior sobre os estrangeiros, decide transferir os ETs para uma outra área.


Distrito 9 (District 9, EUA, Nova Zelândia, 2009), filme de Neill Blomkamp, tem sido visto como uma metáfora ao segregacionismo praticado na África do Sul, até bem pouco tempo, e ainda presente em outros países africanos. O diretor garante que não, mas são claras as referências ao apartheid, ao preconceito exacerbado da população local em relação ao seus vizinhos. Tão sublime quanto a narrativa, aparentemente banal, de alienígenas perdidos no espaço e que acabam se perdendo ainda mais, com a “ajuda humanitária” que recebem dos governantes da Terra, é a forma subliminar em que são introduzidas as questões políticas, corrida bélica, busca da alta tecnologia, miséria, crendices, fome, educação, ciência, populismo de ocasião. Na tela, a explosão racial, o ódio do “humano” pelo “estranho”, vai além da aparência, a sua base é mais embaixo. É a escrita torta, mas por linhas certas.

Distrito 9 é uma obra que inverte os (pré)conceitos dos filmes americanos de ficção científica, onde os ETs geralmente são vilões, ao conceber alienígenas indiferentes aos habitantes e ao futuro da Terra. Assim como em RoboCop, de Paul Verhoeven, os jornais e a publicidade são o ponto alto da narrativa, em Distrito 9 a maior parte do filme é realizada como se fosse um grande documentário, utilizando os mais diversos meios de comunicação e de registro fotográficos..., sem mesmo esquecer a insistente descrição das imagens, comum no jornalismo televisivo. Muitas das entrevistas feitas com sul-africanos, com relação a invasão de “estrangeiros”, são reais.


Distrito 9 é um filme de baixo orçamento, mas de grande impacto visual, e numa projeção única desvela dois grandes artistas sul-africanos: o diretor Neill Blomkamp e o espetacular ator Sharlto Copley, na pele do “boa gente” Wikus Van De Merwe, um tolo e ingênuo agente do governo, que deve convencer os ETs a aceitarem a Ordem de Despejo, e que só se dá conta de estar sendo usado, pelo governo, quando é tarde demais. Com a marca do produtor Peter Jackson, de O Senhor dos Anéis, é um filme aberto a continuações. Se vierem, que mantenham a qualidade, para que não se perca o primeiro encanto.

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