terça-feira, 2 de março de 2010

Crítica: Os Inquilinos



Os Inquilinos (Os Inquilinos – Os incomodados que se mudem, Brasil, 2009), de Sérgio Bianchi, é mais um filme-denúncia social (?) bem ao estilo do diretor. A temática (violência x favela), aqui pelo viés do acuamento, que não é das mais convidativas, dificilmente vai chegar a quem é devido e (com certeza) vai passar a quilômetros do espectador comum que busca o cinema como distração (divertimento, relaxamento) e não vitrine ou reflexo do quotidiano. Como (desgraça pouca é bobagem) muita gente não suporta e não tem paciência para programas de baixaria (travestidos de telejornais) que exploram as variações explícitas da violência, e quem tem (?) esse gosto não vai ao cinema, fica complicado saber a qual público ele é dirigido. Se é que tem um público alvo.

Adaptado de um conto de Vagner Geovani Ferrer (escrito como exercício de um curso de criação de texto, no EJA - Educação de Jovens e Adultos, em 2002), por Beatriz Bracher e Sérgio Bianchi, o filme trata (numa das leituras possíveis) da mudança de comportamento de Valter (Marat Descartes) e de sua família, com a chegada de três novos vizinhos. Valter trabalha de dia, estuda de noite e, por causa das histórias escabrosas sobre as atividades dos rapazes, contadas pela mulher Iara (Ana Carbatti), teme pela segurança da sua família. Para ele, a sua casa é o seu castelo, só não sabe o que fazer se precisar defendê-lo. Valter é um barril de pólvora sem pavio..., um palito de fósforo numa caixa encharcada. Por mais que queira, só consegue se defender na sua (indignada) imaginação. Ele tem medo até da própria sombra. Nos dias de hoje, quem não tem?

A fúria contida de Valter lembra a fúria incontida do executivo William Foster (Micheal Douglas) no filme Um Dia de Fúria (Falling Down, 1993), de Joel Schumacher. Enquanto Valter (de Bianchi) se sente impotente diante da vizinhança bandida, que se instalou na casa ao lado da sua, William (de Schumacher), a caminho da casa da ex-mulher, lava a alma, ao fazer justiça com as próprias mãos, enfrentando os tipos estúpidos e marginais (ricos e pobres) que encontra pela frente. Se em Um Dia de Fúria a violência (justificada?) é explícita, em Os Inquilinos ela é insinuada e não vai da fala ao gesto. A violência exposta por Biachi é a do medo do desconhecido, da incapacidade do cidadão comum (quanto mais comum, mais impotente) violado em todos os seus direitos, inclusive o de existir.

Raul Seixas, na música Por Quem os Sinos Dobram, canta: Nunca se vence uma guerra lutando sozinho/ Você sabe que a gente precisa entrar em contato/ Com toda essa força contida e que vive guardada/ O eco de suas palavras/ não repercute em nada.(...) É sempre mais fácil achar que a culpa é do outro/ Evita o aperto de mão de um possível aliado, é.../ Convence as paredes do quarto, e dorme tranquilo/ Sabendo no fundo do peito que não era nada daquilo.

Valter se “acovarda” porque é brasileiro, pobre, subempregado e tem a certeza de que, se reagir ao “patrão” que o explora e não quer registrá-lo em carteira ou tomar medidas drásticas contra os incômodos vizinhos marginais, quem tem a perder é ele (sempre). Valter é “inseguro” porque tem uma família que ama e pra quem quer o melhor, feito o operário e anti-herói Tião (Carlos Alberto Riccelli) em Eles Não Usam Black-Tie (1981) de Leon Hirszman, que fura a greve, organizada pelo seu pai Otávio (Gianfrancesco Guarnieri), por temer o desemprego e o comprometimento de um futuro melhor (idealizado no casamento com a noiva grávida). Ao furar a greve Tião entra em conflito com o pai. Ao esperar ser provocado, para reagir, Valter entra em conflito com a mulher Iara. Valter, ao seu modo, é um lutador e o adversário é o seu próprio reflexo. Na sala de aula, a sua personalidade “mansa” contrasta com a de outros alunos, na compreensão dos textos apresentados pelos professores. Para alguns, a poesia de Ferréz (Uma Poesia Nova) ou de Carlos Drummond de Andrade (A Morte do Leiteiro), é o retrato da vida como ela é (e como tem que ser), para Valter a vida merece um retrato melhor, sem violência. Valter é um sonhador, apesar das diversidades. Ou um perdedor, dependendo do ponto de vista.

Os Inquilinos é tenso (sem saída?), uma obra que, como muita literatura denunciativa ou reflexiva fica restrita a um pequeno e impotente círculo vicioso de pessoas: de mim pra mim mesmo. É consumida apenas por quem tem a mesma consciência e não precisa de tal reforço. Ela não encontra eco e a sua catarse não vai além da catarse do próprio autor. Mesmo que o espectador se veja na personagem passiva de Valter (ou aflita de sua mulher) ele já não sai do cinema com um desejo (novo?) de mudança. Ele sabe que no Brasil a mudança que se quer (e que nem mais se espera) é, praticamente, impossível. E em cinema, quase tudo é ficção!

O filme tem uma trilha sonora de gosto duvidoso. A música-tema que massacra Valter sadicamente, principalmente quando ele vai de ônibus de um lado pro outro, é de doer. Uma pieguice desnecessária que também se repete no final. A verdade é que são raros os cineastas (principalmente brasileiros) que acreditam na força da palavra (diálogo, texto) dos personagens e ou na ausência dela, pra descartar a breguice das músicas chorosas aliciadoras de espectadores desavisados. Apesar dos perceptíveis problemas técnicos, como a edição de som (sem profundidade) ou de continuidade, a produção apresenta uma dupla de atores afinados e convincentes.

... Coragem, coragem/ se o que você quer é aquilo que pensa e faz/ Coragem, coragem/ eu sei que você pode mais - canta Raul Seixas no refrão.

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