terça-feira, 22 de junho de 2010

Crítica: A Flor Máis Grande do Mundo


A Flor Máis Grande do Mundo

E se as histórias para crianças fossem leitura obrigatória para os adultos? Seríamos realmente capazes de aprender aquilo que há tempo ensinamos? José Saramago (1922-2010)

José se foi. E agora, José? Livre pensamento ecoa. SarAMADO aqui. SarAMARGO acolá. SaraMAGO das palavras de afrontar poderosos de pés de barro. Que um dia também passarão, sem jamais ter sabido o que é ser passarinho.

Conheci o iluminado José Saramago, em 2000, quando esteve em Curitiba para divulgar o livro Caverna e para um bate-papo num auditório lotado. Eu estava acompanhado do cineasta Marcos Stankievicz Saboia, amigo, parceiro de direção no curta-metragem Cortejo e personagem do meu livro: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás. É claro que não poderíamos deixar passar a ocasião de cumprimentar o genial escritor e aproveitamos um rápido intervalo, entre autógrafos, para lhe oferecer um exemplar da fictícia biografia. Saramago, muito gentil, ficou feliz com o presente e encantado em conhecer um personagem (vivo) de um livro de ficção, que também queria o seu autógrafo em diversos livros de ficção. Foi um encontro rápido, troca de elogios e apertos de mãos. Mas, inesquecível!

Com o seu passamento descobri casualmente na internet A Flor Máis Grande do Mundo, uma belíssima animação (stop motion), adaptada e dirigida por Juan Pablo Etchevarry, em 2006, a partir do conto A Maior Flor do Mundo, de José Saramago, experiência única na vida deste provocante autor. Excetuando o prelúdio e o grande final, narrados pelo escritor, o curta-metragem (re)conta a história através de primorosas “imagens em movimento”, pontuadas por linda música de Emilio Aragón.


No site: Outros Cadernos de Saramago, diz o mestre: Aí pelos começos dos anos 70, quando eu ainda não passava de um escritor principiante, um editor de Lisboa teve a insólita ideia de me pedir que escrevesse um conto para crianças. Não estava eu nada certo de poder desobrigar-me dignamente da encomenda, por isso, além da história de uma flor que estava a morrer à míngua de uma gota de água, fui-me curando em saúde pondo o narrador a desculpar-se por não saber escrever histórias para a gente miúda, a quem, por outro lado, diplomaticamente, convidava a reescrever com as suas próprias palavras a história que eu lhes contava. O filho pequeno de uma amiga minha, a quem tive o desplante de oferecer o livrinho, confirmou sem piedade a minha suspeita: “Realmente”, disse à mãe, “ele não sabe escrever histórias para crianças”. Aguentei o golpe e tentei não pensar mais naquela frustrada tentativa de vir a reunir-me com os irmãos Grimm no paraíso dos contos infantis. Passou o tempo, escrevi outros livros que tiveram melhor sorte, e um dia recebo uma chamada telefónica do meu editor Zeferino Coelho a comunicar-me que estava a pensar em reeditar o meu conto para crianças. Disse-lhe que devia haver um engano, porque eu nunca tinha escrito nada para crianças. Quer dizer, havia esquecido totalmente o infausto acontecimento. Mas, há que dizê-lo, foi assim que começou a segunda vida de “A maior flor do mundo”, agora com a bênção das extraordinárias colagens que João Caetano fez para a nova edição e que contribuíram de maneira definitiva para o seu êxito. Milhares de novas histórias (milhares, sim, não exagero) foram escritas nas escolas primárias de Portugal, Espanha e meio mundo, milhares de versões em que milhares de crianças demonstraram a sua capacidade criadora, não só como pequenos narradores, também como incipientes ilustradores. Afinal, o filho da minha amiga não tivera razão, o conto, de transparente simplicidade, havia encontrado os seus leitores.



A Flor Máis Grande do Mundo começa com narração do próprio Saramago: As histórias para crianças devem ser escritas com palavras muito simples, porque as crianças, sendo pequenas, sabem poucas palavras e não gostam de usá-las complicadas. Quem me dera saber escrever essas histórias. Mas nunca fui capaz de aprender. Se eu tivesse aquelas qualidades todas, poderia contar uma linda história que um dia eu inventei.

O expressivo protagonista da poética animação é um garoto, de uns sete anos, que mora num condomínio em construção. O lugar é inóspito e sem árvores. Numa tarde quente de verão, ao perseguir um escaravelho que lhe escapara, ele atravessa, encantado, um pequeno bosque e, perto dali, num lugar desmatado, encontra uma flor definhando ao sol abrasador. Com pena da flor, naquele solo ressecado, o menino faz várias viagens até um riacho, além do bosque, e traz água, nas mãos em concha, na esperança de salvá-la.

E Saramago encerra a história: Este era o conto que eu queria contar. Pena eu não saber escrever histórias para crianças. Mas ao menos ficaram sabendo como a história seria e poderão contá-la noutra maneira, com palavras mais simples do que as minhas. E talvez mais tarde venham a saber escrever histórias para crianças. Quem sabe se um dia eu virei a ler outra vez esta história, escrita por ti, que me lês, mas muito mais bonita.


A Flor Máis Grande do Mundo é uma animação capaz de tocar até o mais insensível às questões ecológicas. É um conto singelo que permite diversas leituras, releituras e até mesmo que seja reescrito, ao gosto do leitor (espectador), como sugeriu Saramago. Sem qualquer pieguice ele fala da responsabilidade de cada um para restabelecer o equilíbrio (roubado) da Natureza. A causa pode não ser nova, mas continua (cada vez mais) pertinente. Nesta fábula, não importa como a semente da consciência será lançada no solo da humanidade, mas como será cultivada. Além de gratificante entretenimento, assistir ao A Flor Máis Grande do Mundo é uma excelente oportunidade para se discutir em sala de aula, com alunos do fundamental ao pós-universitário, os valores de vida de cada um, diante de uma Terra em transe que eles irão herdar.

Infelizmente o filme não foi (?) lançado em DVD, mas poderá ser acessado (alta definição de imagem) no site do diretor galego Juan Pablo Etchevarry ou no YouTube (baixa qualidade).

Para quem quiser conhecer um pouco mais a obra do fascinante escritor José Saramago, sugiro o site Outros Cadernos de Saramago, mantido por sua Fundação.

2 comentários:

  1. Adorei ler e ver a flor mais grande do mundo
    Tambem adorava o jose saramago pois era um grande escritor , nao fazia mal ele nao saber escrever historias para crianças, pois conseguiu trasmitir a historia apenas por imagens e video, e gostei imenço o que ele disse no video que vi no youtube.
    Esta historia esta espetacularmente incrivel,o jose saramago foi e é(eu sei que ja morreu mas nao faz mal ainda o tenho no meu coração) um dos meus idolos escritores.
    Adoro-o,mt,mt,mt,mt,mt,mt,mt,mt,mt...

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  2. Olá, Beatriz.
    José SarAMADO aqui. José SarAMARGO acolá. José SaraMAGO, livre pensador das palavras de afrontar poderosos de pés de barro, se foi um pouco, há pouco. Deixou o seu verbo que, na conjugação diária, ainda vai incomodar muitos, enquanto persistir a palavra.

    Abs.
    T+
    Joba

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