quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Crítica: As Viagens de Gulliver


por Joba Tridente

Quando se pensa que já viu o que de pior o cinema americano já produziu e se depara com o algo tão execrável como esta última deturpação, digo, adaptação de As Viagens de Gulliver (Gulliver's Travels, EUA, 2010), dirigida por Rob Letterman, com o caricato Jack Black, é que se dá conta de que ele pode piorar ainda mais.

No século passado o clássico da literatura universal As Viagens de Gulliver, do iluminado escritor irlandês Jonathan Swift (1667 - 1745), ganhou (e sofreu) adaptações para o Cinema, TV, HQ. O meu primeiro contato com a obra genial de Swift foi na década de 1960, ainda garoto, lendo a história em um gibi. Depois vi a animação de Hanna-Barbera e algumas adaptações para cinema e TV. No entanto, quando li a versão integral do romance original, percebi que tudo o que vira, até então, era nada perto da real sátira política de um autor que sabia usar o verbo como poucos. A sua Modesta Proposta (de 1729) continua atualíssima, há 282 anos.


O que mais me incomoda nas adaptações de As Viagens de Gulliver é a infantilização e a estúpida censura do texto (que atravanca Lilipute), porque algum idiota, em algum momento, acreditou que este era um texto infantil (pelo teor fantástico) e tratou de cortar o que lhe pareceu “rebarbas”, excessos de metáforas prejudiciais à formação (ou compreensão) de uma criança, cometendo impunemente um crime. Assim, o grande tratado político acabou virando uma historinha boba e fantasiosa de um homem “gigante” numa terra de gente minúscula (“menor que um anão”). Uma historinha “salubre”, politicamente correta e contrária a qualquer reflexão. Na verdade, não foi cometido apenas um crime, na infantilização da obra, foram dois: um contra a genialidade e originalidade do autor, e o outro contra a capacidade de discernimento do jovem leitor. De uma só tacada transforma o ser pensante em ser ignorante. Espero que um dia os Houyhnhnms possam nos salvar dos Yahoos!


Baseado no “roteiro” de Joe Stillman e Nicholas Stoller, esta é a mais abominável paródia de As Viagens de Gulliver. Ela é “vendida” como comédia, apesar da falta de graça (a não ser que escatologia ainda seja engraçado). Com citação de vários filmes de sucesso e com efeitos especiais toscos (se é que podem ser chamados de efeitos especiais), a versão narra as aventuras de Lemuel Gulliver (Jack Black, mais uma vez nerdiotizado) nos dias de hoje. O sujeito trabalha na expedição de correspondência de um jornal, em Nova York, e por conta da sua parvalhice e timidez acaba se metendo numa confusão que o leva ao Triângulo das Bermudas, onde, por conta de fenômenos meteorológicos, se vê arremessado à Lilipute. Ali, com a baixa auto-estima abaixo da crítica e da estatura dos liliputianos, inventa histórias mirabolantes e passa a ser considerado o que não é, colocando em perigo aquela “civilização” sugestionável. Como se não bastasse o filme sem noção (alguma) transformar uma obra capital num inexpressivo e irreconhecível vilarejo, assistimos a tudo ao áudio da insuportável (sem vida) dublagem brasileira.


Enquanto o Gulliver de Swift protesta contra a falta de discernimento da raça (que se considera) humana, o Gulliver de Black faz uma inacreditável ode ao consumo (desde os créditos). Sério candidato a pior argumento e roteiro e protagonista e coadjuvante e direção e trilha e efeitos especiais e etc, o único destaque vai para o curta de abertura, com o engraçadíssimo esquilo dente de sabre Scrat. Vindo diretamente da Era do Gelo, numa divertida aventura didática, ele demonstra, alucinadamente, como (e porque) aconteceu a separação dos continentes. A animação serve como panos quentes (tapa buraco) da baba de Black. Bem que poderia passar no final, assim a gente esqueceria o mico (Ôps!) anterior.

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