sábado, 8 de outubro de 2011

Crítica: Melancolia



Lars Von Trier e sua obra despertam nos cinéfilos, e no público ocasional, sentimentos de amor e ou de ódio, cujo grau de intensidade varia conforme a obra em questão ou o nível de compreensão. Não há meio termo. Com Melancolia não é diferente. Muitos espectadores resistem até o final, outros se ausentam ainda na colisão dos personagens (na primeira parte), enquanto os cientistas questionam se a colisão de dois mundos é um fato iminente ou mera ilusão de ótica. Há que se preferir a ficção ou caos real. 

Melancolia (Melancholia, Dinamarca, 2011), com roteiro e direção de Lars Von Trier, é uma ficção científica com conteúdo trágico, como convém a uma boa ficção que se propõe à leitura do comportamento humano diante do inesperado e do fracasso material e imaterial. Se a vida é contínua, geração após geração, os perigos que a cercam, também! Sejam eles de ordem familiar, religiosa ou científica. Dividido em duas partes, com um prólogo de grande beleza (comparável ao entreato da Criação do Universo, no magistral A Árvore da Vida, de Terrence Malick) o drama narra as expectativas de duas irmãs, Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg), possivelmente vivendo seus últimos dias, à espera do fim do mundo, que se dará com o provável choque entre os planetas Terra e Melancholia. 


Na Terra, durante a atribulada “festa” de casamento de Justine e Michael (Alexander Skarsgård), na suntuosa mansão do casal John (Kiefer Sutherland) e Claire, a intromissão dos pais da noiva, Gaby (Charlotte Rampling), e Dexter (John Hurt), acaba provocando um desconforto geral. No Céu, o Melancolia brilha e, tal qual O Anjo Exterminador, de Luis Buñuel, influencia a todos, despertando estranhos (e infames) sentimentos nos convidados que, aos poucos, abandonam a casa que “aprisionará” Justine, Claire, John e o filho do casal, Leo (Cameron Spurr), até a derradeira hora fatídica. 

O Apocalipse revela o flagelo oculto no planeta e também a fraqueza do homem. Revelar-se (fora de hora) pode não trazer a paz de espírito desejada. Desesperar-se, também não. Do metódico casamento ao encontro dos planetas, a vida do quarteto sofre um revés, desvelando os medos de cada um em busca (ou fuga) da razão. Enquanto a passagem do Melancolia encanta e aguça a curiosidade do garoto, a sua atração apavora, angustia os adultos. O novo é um enigma a ser decifrado a cada dia, assim como a morte a ser domada a cada sono. Porém, quando o tempo urge e a desordem fende famílias e tradições, questões do ser e não e ser, e ou de onde para onde, são irrelevantes. 


Melancolia, o filme, não de fácil absorção. Apesar de deslumbrante, a sua narrativa é facetada e incômoda. É, sem dúvida, mais “linear” que A Árvore da Vida, porém mais denso. Ambos são metafilmes (obras extremamente pessoais) que buscam o porquê da vida e da morte e da onipresente ausência de Deus. Cabe ao espectador assimilar ou não o discurso de que a vida (segundo Malick) é tão complexa quanto a morte (segundo Trier). Sem a cumplicidade do público, com a sua leitura muito particular, o discurso é vazio. 

Com excelência técnica e performances irretocáveis (com destaque a Charlotte Gainsbourg e Kirsten Dunst), esta ficção científica, com seu viés psicológico, é um típico filme ruminante. Por mais que o espectador ignore, uma fala, uma sequência, uma imagem sempre retorna à mente, para maiores considerações individuais e ou coletivas.

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