quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Crítica: O Reino Gelado



A primeira edição de A Rainha da Neve é de 1845. Um dos contos mais longos de Hans Christian Andersen (1805-1875) é também o mais adaptado, reinventado e maltratado no cinema, no teatro, na literatura. Por achar que obra em domínio público não tem dono, cada “coautor” se acha no direito de “melhorar” o quê não gosta ou o quê acha que o “seu” público não vai entender. A grande maioria das adaptações cinematográficas de romances, contos, histórias em quadrinhos, biografias etc, começa a ser desenvolvida com base no original, todavia, na dependência da liberdade poética (nada ética) e principalmente do retorno comercial, acaba virando um arremedo qualquer. O que conta é a popularidade do título e o nome do autor da obra inspiradora..., o resto é detalhe de cartaz. Isso não é novidade para o cinéfilo.

Costumo falar das coincidências de roteiro e de sequências em desenhos animados, muitas vezes ocasionadas pelo tempo de realização, sempre acima dos três anos de produção. Estão chegando aos cinemas duas versões de A Rainha da Neve (The Snow Queen): uma russa (no começo do ano) e outra disneyana (no final). A primeira ganhou o ridículo (re)título de O Reino Gelado e a segunda, até onde se sabe, será Frozen - O Reino do Gelo. Se o Reino Gelado russo vai pouco além de um floco de a neve em sua adaptação do famoso conto, O Reino do Gelo americano (pelo que foi divulgado) só vai derreter neve de isopor. Mera “coincidência” de títulos? Sei! Então, tá!


A Rainha da Neve, de Andersen, para quem não sabe, é um conto dividido em sete “capítulos” e com um punhado de histórias estranhas dentro de cada um. Às vezes parece que Gerda está vivendo as mesmas aventuras de Alice no País das Maravilhas (1865), de Lewis Carroll, já que a garota fala com passarinhos, rios, flores e o que mais aparecer pela frente. Os contos de Andersen, não primam pela leveza, pelo humor..., são mais ao estilo da vida como ela é, vide o trágico e tocante A Pequena Vendedora de Fósforos.

Levemente (mesmo) inspirada na obra original, a trama da versão russa, do conto dinamarquês, gira em torno da saga da bondosa e determinada Gerda, uma garota órfã que sai em busca de seu inocente irmão Kai, levado pelo Vento Polar, a mando da Rainha da Neve. A mesma que, no passado, sequestrou a mãe e o pai da garota, por causa de um espelho que reflete também a alma das pessoas. Enquanto a Rainha é capaz de congelar o coração de qualquer um que ficar entre ela e o espelho, Gerda, movida pelo amor e bondade, aposta na pureza de espírito para fazer amigos e vencer os perigos da jornada.


A ordem dos “capítulos” não foi alterada, mas o seu conteúdo, ganhou outras nuances com o desaparecimento e ou substituição de personagens. Para quem não conhece a Rainha da Neve, de Andersen, a mudança de peculiaridades do conto, principalmente de alguns personagens, pode não fazer diferença, porém congela e manda para o espaço a moral da história. Tem gente que pensa que mensagem de entrelinha só serve para fazer volume! Acredite, cegueira (ôps!) é um substantivo polivamente no contexto anderseniano!

O Reino Gelado (The Snow Queen, Rússia, 2012), roteirizado e dirigido por Maxim Sveshnikov, em parceria com Vladlen Barbe, mantém a estrutura das sete histórias originais, porém fragmentada, dando à narrativa um “ritmo” saltitante. O “corte seco”, entre uma história e outra, passa a impressão de problemas de edição, pelo raso desenvolvimento dos personagens (adulterados). Os realizadores pressupõem (eles adoram pressupor!) que o espectador já conheça os capítulos (e as suas subtramas) e que não precisam ficar detalhando fatos (desimportantes?). O incômodo ruído (para um adulto?) vem, principalmente, da pressa em se contar uma história de, no mínimo, 2h em 80min. Para uma criança (acostumada aos games?), talvez não faça muita diferença, já que, abreviando a falação (?), sobra muito mais tempo para a ação. Enfim, cada povo com o seu jeito de contar e ou recontar uma história.


Se para um espectador-leitor mais exigente, por um lado a animação perde com a desconfortável releitura e mudança de foco (ôps!), por outro ganha com a sua inegável beleza visual, rica em detalhes e com bom 3D estereoscópico. Os cenários, objetos de cena, figurinos, texturas, são fascinantes. As figuras humanas ainda parecem meio duras, meio zonzas, mas, pelo que tenho visto da animação russa e alemã, em CG, melhorou muito. Sinceramente, esse é um detalhe que não chega a incomodar. Há algumas referências cinematográficas em excelentes sequências, demonstrando que os diretores russos estão bem antenados com a arte da animação (de ontem e de hoje!) feita em outros cantos do mundo.


O público alvo de O Reino Gelado é a garotada infantojuvenil, mas pode atingir também algum adulto. Desde que não se espere ver nas telas a história original de Andersen, e sim uma adaptação livre do conto, é uma boa diversão. O humor leve (infantil) e a ação (corre, tromba, cai) são bem ao gosto da criançada. Ah, quem leu o conto vai encontrar no barquinho de papel, dos créditos finais, o começo de tudo.

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