quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Crítica: Flores Raras


Por mais que se deseje eterno, o amor vagueia transitivo mesmo nas (in)conveniências. Por mais que se deseje terno, o amor estanca intransigente nas relações afetivas. Quando o “ter” sufoca o “ser”, o verbo não pode mais ser conjugado. Na vida (e na arte) o amor parece fadado a ser objeto para toda digressão do outrora estabelecido e do que se quer rotina.

Flores Raras (Brasil, 2013), dirigido por Bruno Barreto, é um bonito drama sobre o amor entre duas mulheres e sobre a paixão e o rigor delas pelo trabalho: Lota de Macedo Soares (1910-1967), urbanista e paisagista brasileira, e Elizabeth Bishop (1911-1979), poeta norte-americana vencedora do Pulitzer e do International Neustadt Prize for Literature. O palco maior do conturbado romance é o Rio de Janeiro dos anos 1950 (da bossa) aos 1960 (da mpb), onde, em meio à efervescência cultural e política, Lota planeja espaços públicos e Elizabeth versos intimistas. Entre elas a paisagem como fonte de inspiração de parques e poemas. Entre elas a paisagem (re)virando (a) prosa.

Apoiados no livro Flores Raras e Banalíssimas - A História de Lota de M. Soares e Elizabeth Bishop, de Carmen Lucia Oliveira, os roteiristas Matthew Chapman, Julie Sayres e Carolina Kotscho trazem a foco não apenas os percalços de uma vida a duas, mas também a três, já que Lota (Glória Pires) e Bishop (Miranda Otto), ao que se vê, “compartilharam” a incômoda presença da frustrada Mary Morse (Tracy Middendorff), ex-namorada de ambas e de quem Lota não conseguia se separar. O que dá à trama ares patéticos.


Apesar de intenso, Flores Raras não é um filme intrusivo. A direção elegante de Barreto, com seus deliciosos floreios sensuais, arrebata até os mais distraídos ao tema complicado pela sociedade e seus valores machofalocratas. Até mesmo ao tangenciar a efervescência cultural e política, o diretor o faz moderadamente e sem ranço ideológico.  Mesmo porque não há razão para ater-se em demasia aos rumos do modernismo ou do governo de Carlos Lacerda (Marcelo Airoldi) e do golpe de 1964, quando o assunto de interesse é outro, não menos tenso (ciúme e possessividade) ou escandaloso (em família).

O que não quer dizer que Flores Raras seja vago em sua síntese biográfica. Com seus diálogos afiados (Lota: É inconcebível alguém colocar a amizade à frente do amor.) e abrangentes (Elizabeth: Nunca me senti uma exilada, mas também nunca me senti exatamente em casa.) ele vai além do que se espera e desvela mais do que se imagina sobre as mazelas do amor e do poder. Por vezes um filme poético, mais para se ouvir do que para se ver, na interpretação impecável do trio protagonista, com destaque para a linda Miranda Otto. Por vezes um filme imagético, mais para se ver do que para se ouvir sobre os opostos (vinho e uísque, sol e lua, yang e yin) que se atraem ou se atracam com convicção, muito bem emoldurado pela bela fotografia de Mauro Pinheiro. 

Flores Raras é uma excelente brisa nas salas de cinema tomadas pela “comédia” chula. Um filme para o espectador que ainda não perdeu a faculdade de pensar (por conta própria).

2 comentários:

  1. Oi, Joba, adorei sua crítica. Com ela revisitei o filme, que vi há duas semanas. Delicado e forte, denso e por vezes etéreo. Como você disse bem os opostos no filme ou "se atraem ou se atracam". Fiquei tocada pela forma clara, aberta, e, ao mesmo tempo sutil, com a qual é mostrada a relação das protagosnistas. A arte pode abrir a mente, mais do que argumentos conceituais... Fiquei emocionada ao ver os esboços do aterro do Flamengo, e, principalmente, o destaque ao projeto dos postes, que, aliado ao projeto paisagístico do Burle Marx fez do parque um lugar belíssimo. Meu primeiro, primeiríssimo, poema aconteceu quando eu tinha 18 anos e estava em plena aula de Matemática do cursinho do vestibular. Meio desligada da aula, vivendo na época um profundo estranhamento do mundo, e sofrendo muito por um amor terminado, veio à minha mente, não sei porque, a imagem de um daqueles postes, sua luz clareando belamente as árvores que o rodeavam, como numa dança. Quis desenhar a cena, mas não tenho esse talento. Tentei então desenhá-la com palavras. Aconteceu meu primero pequeno poema. Ele teve um interessante efeito em mim, senti um conforto interno quando eu o terminei, uma sensação nunca sentida antes. (Eu morava no Rio, no Flamengo.) Entrei na faculdade, onde acabei conhecendo pessoas ligadas à poesia, ao teatro e outras artes.Fiz parte da geração do mimeógrafo...

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    1. ..., uau! que lindo comentários (e segredo partilhado) TECA!
      ..., gostaria de conhecer esse poema iluminado!
      ..., gratíssimo pelo carinho!

      T+

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