domingo, 9 de agosto de 2015

Crítica: A Dama Dourada


Os “filmes de tribunal” têm as suas peculiaridades: ou são muito interessantes ou muito enfadonhos. Depende de como o diretor conduz a causa, encena o espetáculo que já foi e cujo veredicto já é conhecido de quem acompanhou o noticiário, o livro dos bastidores..., e ou desperta o interesse de quem não tem a menor ideia do litígio. O “gênero” tem seus admiradores e, a não ser que se queira ver tão somente a ilustração de fatos conhecidos via mídia e ou explorados em livros, funciona melhor quando se sabe o mínimo (ou nada) da história a ser contada. Só assim é possível mergulhar nesse universo judicial, com suas picuinhas ardilosas, e aos poucos ir tomando pé da questão, para “conscientemente” escolher um lado. Disse “conscientemente” porque, tanto no teatro processual (nos tribunais) quanto cinematográfico, o espectador não está livre de maniqueísmo.


A Dama Dourada (Woman in Gold, 2015), dirigido por Simon Curtis, é um drama que se ocupa em desfazer os intrincados nós de uma trama que envolveu a judia austríaca Maria Altmann (Helen Mirren) e o governo austríaco pela posse do famoso quadro Retrato de Adele Bloch-Bauer (renomeado Dama Dourada), pintado por Gustav Klimt, em 1907. Adele era tia de Maria e o quadro, entre outras obras de Klimt, pertencente à sua família, foi roubado pelos nazistas durante a ocupação de Viena pelo Terceiro Reich, em 1938. Fugindo da guerra, Maria imigrou para os Estados Unidos e, sessenta anos depois, ao saber que a Áustria estava com um projeto de restituição de bens roubados dos judeus, tentou reaver principalmente o famoso quadro (considerado a Mona Lisa Austríaca) e viu que a tal “restituição de bens” tinha lá os seus percalços. Acreditando nos seus direitos patrimoniais, contratou o advogado americano Randol Schoenberg (Ryan Reynolds) para um embate judicial, sem precedentes entre dois países (EUA e Áustria), numa questão cultural (literalmente) cara.


Vale lembrar que toda obra, seja literária e ou cinematográfica (inspirada em fatos), dá margem a controvérsia. Há sempre algum excluído da história querendo dar a sua versão. Há sempre alguém que não concorda com as liberdades (“poéticas”) hollywoodianas. Não é diferente com A Dama Dourada, que destaca, em flashes, três períodos distintos - infância (1907), juventude (1938) e velhice (1998) - da vida de Maria Altmann (que morreu em 2011, com 95 anos), centrando o espectador nos motivos que a teriam levado a requerer a posse do quadro.

Para um espectador leigo (feito eu) o satisfatório roteiro de Alexi Kaye Campbell parece entrar no mérito da (real) motivação de Altmann, na defesa de Schoenberg e ou no interesse e ajuda providencial do jornalista austríaco Hubertus Czernin (Daniel Bruhl). Todavia, encontrei (na web) vozes discordantes, acreditando que o script apenas tangencia os fatos (reais), já que, mesmo tendo algo em comum (família/antepassados), as razões de cada um soam diferentes e, por vezes, dá a impressão de que há algo entalado na garganta dos personagens que jamais será dito. Talvez por isso (ou não!), há quem garanta que a verdade está lá fora... Bem, eu é que não vou procurar!


A Dama Dourada tem narrativa fascinante, ainda que pareça simplória e previsível no seu ir e vir nos tribunais austríacos e americanos. Como é de praxe, quando o assunto é judeu, há algum ranço (clichê) no período nazista..., e uma dose de pieguice na sequência final. Mas há, também, a sutileza do subtexto (inconsciente?) sobre a indiferença do valor (pessoal) de uma obra de arte e a diferença da valorização (comercial) desta mesma obra de arte, tocando oportunamente na questão do pertencimento social, econômico, cultural em tempos de guerra e ou de paz. Um lume a mais no pós-tribunal nunca fez mal a alguém.


Enfim, considerando a direção caprichada de Simon Curtis, o elenco afinado, a cuidadosa reconstituição de época e a bela fotografia de Ross Emery, em uma produção que chega aos cinemas para superar os três documentários que já trataram da saga judicial de Maria Altmann e Randol Schoenberg, sem esgotar o assunto: Stealin Klimt (2007), de Jane Chablani; Adele’s Wish (2008), de Terrence Turner, The Rape of Europa (2007), de Richard Berge, Bonni Cohen e Nicole Newnham, e o livro: A Dama Dourada - O Retrato de Adele Bloch-Bauer (2012), de Anne-Marie O’Connor..., A Dama Dourada é um bom entretenimento. Talvez um bocadinho apressado (na acusação e defesa) nos tribunais. Mas, sem dúvidas, um obra elegante e cheia de filigranas que pode ser a apreciada sem moderação.

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