quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Crítica: As Sufragistas


Acredita-se que houve um tempo em que o mundo, ou pequena parte dele, era governado por mulheres: matriarcado. Desde os tempos desconhecidos sabe-se que o mundo, ou maior parte dele, é governado por homens: patriarcado. Talvez a visão do matriarcado seja futurista e não passadista. Todavia do poder, no entanto, ainda que os movimentos femininos e ou feministas marquem presença, a sociedade continua se submetendo à machofalocracia. Não fosse esse “detalhe” as mulheres não precisariam ir às ruas clamar por direitos iguais (aos dos homens): trabalhistas, sociais, religiosos, políticos etc.  

As Sufragistas (Sufragette, 2015), dirigido por Sarah Gravon, a partir do roteiro de Abi Morgan, é um drama social fictício, mas inspirado em fatos e personagens que por quase 60 anos (1870-1929) provocaram grande ebulição na Grã-Bretanha conservadora. Embora discurse (no subtexto) sobre questões trabalhistas e assédio sexual, o seu foco é a luta - que começou pacífica e se tornou violenta - das inglesas pelo direito de votar e fazer diferença nas decisões parlamentares.


O enredo, à beira do melodrama, acompanha o envolvimento da sofrida Maud Watts (Carey Mulligan), funcionária de uma lavanderia, com a União Social e Política das Mulheres (Women's Social and Political Union - WSPU), o atuante e radical Movimento Sufragista na Grã-Bretanha do começo do século vinte. Sabe aquela história do tudo ou nada? Então, Maud levava uma vida miserável e conformada (digna de Dickens) na companhia do marido Sonny (Ben Whisshaw) e do filho George (Adam Michael Dodd), até que uma mera e ocasional gota d’água quente no poço de mágoas a colocou no meio do furacão das reivindicações femininas (“Votos para as Mulheres!”) e num caminho (praticamente) sem volta e de alto custo para ela e suas companheiras ativistas mais radicais, como a farmacêutica Edith Ellyn (Helena Bonham Carter), Violet (Anne-Marie Duff), Emily Davison (Natalie Press) e a líder Emmeline Pankhurst (Meryl Streep). Praticar a desobediência civil pode ser uma forma de chamar a atenção para a causa, mas requer bem menos coragem que a necessária para enfrentar o ambíguo investigador Arthur Steed (Brendan Gleeson), o caçador de Sufragistas.


Embora o assunto “Votos para as Mulheres!” a cada dia pareça uma evocação de um mundo médio-oriente mais distante, há, na pauta global cotidiana, muitas questões delicadas pertinentes ao universo feminino a serem discutidas por mulheres e não monopolizadas por homens: educação, família, salário, filhos... Questões que estão na costura de fundo de As Sufragistas, mas que, assim como a história real das personagens e do movimento, acabam se perdendo na ênfase sentimentaloide da ficção adaptada ao ponto de vista proletário de Maud, ainda que pese a ação panfletária das outras ativistas.

As Sufragistas é um filme imbuído de boas intenções, mas não o suficiente para vencer a linearidade e tornar o espectador conivente com a extremada (ou seria explosiva?) causa feminina inglesa. O fato centenário tem a sua relevância histórica para as mulheres da Grã-Bretanha, mas o enredo piegas não vai muito além de um registro distante e sentimental, onde a emoção (ou coração de mãe) conta mais que a insensatez feminina e masculina. Assim, nessa confidência de última hora, a impressão é a de que nem tudo está sendo revelado e, portanto, enquanto a fumaça não dissipa, o melhor é esperar a próxima (re)ação e ou eventual manchete de jornal.


Enfim, considerando que, na trama, de real há apenas a líder Emmeline Pankhurst (1858-1928) e Emily Davison (1872-1913), uma vez que a farmacêutica Edith Ellyn é uma homenagem à famosa sufragista Edith Garrud (1872-1971), especialista em artes marciais; que, excetuando a “obsessão” pelo direito de votar , quase nada se sabe da motivação e ou da vida das ativistas fictícias e ou reais; que o elenco é excelente e a produção está impecável na reconstituição de época (sépia-sombria); que, embora seja um filme com apelo feminino (produzido, escrito e dirigido por mulheres), não deve motivar as espectadoras mais radicais a sair explodindo coisas no retorno para casa..., vale como curiosidade meio-histórica, já que o que se vê é meia verdade.

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