quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Crítica: No Coração do Mar


Até chegar aos cinemas, a história revista do gigantesco cachalote (26 metros), batizado de Moby Dick (1851), por Herman Melville (1819-1891), tem uma rota curiosa. O primeiro relato desta fascinante e sinistra “aventura”, vivida pelos marinheiros do baleeiro Essex, em 20 de novembro 1820, está no livro Narrative of the Most Extraordinary and Distressing Shipwreck of the Whale-Ship Essex, do primeiro imediato Owen Chase (1797-1869), publicado em 1821 e que serviu de inspiração à Melville. Outro tripulante do Essex, Thomas Gibson Nickerson (1805-1883), que aos 14 anos servia como grumete no baleeiro, a pedido do insistente escritor Leon Lewis, escreveu, em 1876, também as suas memórias do trágico acontecimento..., porém, os seus originais ficaram perdidos até 1960 e, após autenticação em 1980, ganharam uma versão resumida, com o título The Loss of the Ship "Essex" Sunk by a Whale and the Ordeal of the Crew in Open Boats, publicada pela Associação Histórica de Nantucket, em 1984, e inspirou In the Heart of the Sea (2000), de Nathaniel Philbrick..., que, por sua vez, é a base do filme homônimo dirigido por Ron Howard.


No Coração do Mar (In the Heart of the Sea, 2015) é um fascinante épico de ação e aventura marítima que reconstitui (em estilo documental) a grande tragédia do baleeiro Essex que, abalroado por uma gigantesca baleia cachalote, em novembro de 1820 naufragou e deixou 21 homens, em três barcos, à deriva no mar, de onde, ao final de 94 dias das mais terríveis provações, incluindo canibalismo, só 8 foram resgatados vivos.

A partir do roteiro compacto de Charles Levitt, a narrativa acompanha o doloroso relato do velho marinheiro Tom Nickerson (Brendan Gleeson) a Herman Melville (Ben Whishaw). Nickerson era um adolescente (Tom Holland) cheio de sonhos, quando embarcou para a sua primeira viagem no Essex, cuja tripulação era comandada pelo inexperiente e orgulhoso capitão George Pollard (Benjamin Walker), que se sentia desconfortável diante da segurança e conhecimento do imediato Owen Chase (Chris Hemsworth), respeitado pelos marinheiros. O que o garoto Tom Nickerson testemunhou nessa tumultuada e fatídica viagem, cheia de desavenças e principalmente horror, após o ataque da baleia, se tornaria um pesadelo que o atormentaria por toda a sua vida.


Com produção de encher os olhos, No Coração do Mar seduz o espectador não apenas por trazer um ponto de vista mais visceral e incômodo à história (também de crueldade) contada por Melville, em Moby Dick, mas também pela grandiosidade da produção rica em efeitos especiais que dão maior veracidade à narrativa. O enredo acerta ao privilegiar apenas o essencial (isso está virando tendência em Hollywood!) do livro de Nathaniel Philbrick: o drama (que não é pouca coisa) da tripulação do Essex, deixando meio de lado as referências à economia baleeira que movimentava o cotidiano do povoado de Nantucket, de onde saíram. Assim, evita as sempre descartáveis histórias paralelas de comida para bagre que, no fundo, não servem nem de isca para moreia.

A direção Ron Howard é admirável. A trama tem excelente fluência..., começa leve, num clima romântico, e antes que se perceba o tom já é de aventura e conforme o vento sopra as velas, a ação ganha o mar até o movimento das águas trazer a tragédia jamais prevista e arrebatar o coração de cada um à deriva sob o olhar (justiceiro?) da cachalote. Nem mesmo as paradas (técnicas) para reabastecimento de informações (flashback) na entrevista de Nickerson a Melville faz o drama perder o ritmo e a intensidade. Na verdade lhe injeta mais ar, já que é esta conversa tensa e fragmentada que conduz a envolvente história (sem a necessidade de insuportável narrador/off) e ao final justifica a versão sombria e quase fictícia de Herman Melville em Moby Dick.


Enfim, considerando que a profundidade do drama nos faz refletir sobre os valores morais do ser humano diante de tragédias e sobre o instinto de sobrevivência das espécies; que Hovard explora todas as nuances do ótimo roteiro, sem jamais cair na pieguice ou se tornar refém do clichê fácil do susto, optando por sugerir e não explicitar algumas situações incômodas; que o carismático e equilibrado elenco navega muito bem em águas turvas; que as cenas com a baleia cachalote impressionam pelo realismo; que o 3D de profundidade é bom; que a edição ágil de Mike Hill impressiona e a fotografia de Anthony Don Mantle  (alheia aos efeitos especiais?) é primorosa e em algumas cenas lembra grandes pinturas a óleo..., acredito que se você gostou das versões cinematográficas de Moby Dick, também vai gostar deste outro lado da história, onde o maior protagonista é o homem e suas mazelas.

Não sei se No Coração do Mar vai se tornar um clássico ou um mero número na coleção de filmes do gênero, mas, por enquanto, é um belo espetáculo em alto mar e terra firme!

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