terça-feira, 9 de maio de 2017

Crítica: Paterson

PATERSON
por Joba Tridente

A boa arte literária nasce bruta e o escritor vai burilando as palavras, assim como o pintor apura as pincelada e o cineasta os fotogramas..., o que não quer dizer que seja regra. A arte depende do olhar do artista no processo de compreender e verbalizar o mundo ao seu redor..., o que não quer dizer que seja regra. A arte não precisa ser representação fiel da realidade, pode ser interpretação, especulação e ou mera metáfora..., o que não que dizer que seja regra. Pois a (re)leitura da arte dependerá (e muito) do nível intelectual do espectador.

Jim Jarmusch é um roteirista e diretor que foge à regra. E como foge! Suas obras são originais e únicas na exploração do cotidiano com suas reflexivas banalidades. Em seu cinema casual, tudo flui com uma naturalidade absurda (tanto na caracterização dos personagens quanto no desenvolvimento dos diálogos), sem jamais cair no ridículo da caricatura. À margem do cinemão e sem dar a mínima à cartilha dos clichês hollywoodianos, Jarmusch surpreende onde a maioria (obediente à cartilha) falha. É que quando se sabe o quê e como dizer, o universo inspira o script. E ou conspira a favor!


Paterson (Paterson, 2016), seu filme mais recente, é de uma beleza desconcertante. Poético do princípio ao fim, os versos do enredo compõem e se recompõem, no recorte de uma semana, ao redor de Paterson (Adam Driver, excelente), um pacato e sensível condutor de ônibus em Paterson (Nova Jersey, EUA). A magia já começa aí, cidadão e cidade compartilhando nome: um, querendo fazer parte da história local; outra, querendo o reconhecimento de suas celebridades na história local.


Ao cativante Paterson, que tem como ídolo e referência literária o escritor americano William Carlos Williams (1883-1963 - na internet há farto material sobre este autor modernista genial), todo material em seu caminho (embalagens, placas, locais, até conversa de passageiros) serve de inspiração para seus poemas, compostos diariamente durante o itinerário do velho ônibus pelas ruas de Paterson e anotados em um caderno. No final do expediente, quando regressa ao lar, ele troca confidências com a jovem esposa Laura (a belíssima Golshifteh Farahani), que ainda não encontrou o seu lugar no mundo profissional, revisa seus versos, passeia com o cachorro, bebe um chope com amigos e volta pra casa... 


No dia seguinte o mesmo rito: se ocupar poeticamente com o que parece banal aos olhos grosseiros e nem se dar conta da sua rotina que foge à rotina dos seus amigos e conhecidos que não mudam o “discurso” de amor e dor. É fascinante ver (e ouvir) o seu processo criativo, o seu método de lapidação das palavras, de desconstrução e de ressignificação das imagens que lhe inspiram..., e também o seu temperamento para lidar com pequenos dissabores que, por vezes, o tangenciam.


Considerando que Paterson é um maravilhoso conto sobre o fazer poético; que é um delicioso exercício literário para escritores e ou mero leitores saborearem verso a verso, até o inquestionável ponto final, uma semana de trabalho e lazer na companhia de um simpático motorista de ônibus apaixonado por poesia e de sua mulher às voltas com as cores preta e branca; que os poemas de Paterson (escritos pelo poeta americano Ron Padgett) são tocantes e desveladores, assim como a poesia japonesa (Haiku e Tanka); que essa belezura em tons sépia e ou ocre, muito bem escrita e interpretada e fotografada (Frederick Elmes), dificilmente será vista pela massa ignara que não consegue pensar além do tombo, digo, do combo pipoca/refri/celular..., o público seleto pode ir tranquilo para se emocionar e desfrutar o excelente momento, com a certeza de que ainda existe vida inteligente e muita poesia nos arredores de Hollywood... 


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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