PEDRO COELHO
por Joba
Tridente
Conforme envelhecemos, talvez pela fugacidade dos
dias e ou das novidades lúdico-culturais de pouca qualidade que nos chegam aos
borbotões, vamos sendo “traídos” por nosso cérebro carregadinho de boas
lembranças infantojuvenis. Como, por exemplo, das encantadoras séries
televisivas que exploravam o mundo campestre do traquinas Peter Rabit e seus Amigos (The
World of Peter Rabbit and Friends), o dia a dia bucólico do doce Pequeno Urso (Little Bear), os questionamentos da vida da Turma do Charlie Brown (The
Charlie Brown and Snoopy Show), que tanto alegravam quanto faziam a
garotada pensar no cotidiano fora dos tubos da tv. O ritmo dos dias eram outros...,
ao menos para as crianças. Será?
Com tanta onda saudosista nos cinemas, eis que, 116
anos depois de vindo à luz, através da mente brilhante da escritora e
ilustradora britânica Beatrix Potter,
e despertado o interesse literário de crianças, jovens e adultos, bem como
servido de tema de estudos e ensaios acalorados, Peter Rabbit (Pedro Coelho)
e seus amigos de aventuras desastradas ganham uma versão cinematográfica com atores
e animação computadorizada (em espetacular CGI) que vem dando o quê falar. Sempre
que a adaptação de um clássico da literatura e ou a refilmagem de um clássico
do cinema é anunciada, os fãs (puristas) ficam em polvorosa, imaginando o que as
obras originais vão ganhar e,
principalmente, o que vão perder com
a adaptação para uma nova mídia e um novo público em tempos digitalmente tão acelerados.
Foi assim recentemente com O Touro Ferdinando, dirigido por
Carlos Saldanha, que, apesar da qualidade gráfica, dividiu opiniões de público
e crítica. Não está sendo diferente com a alucinada e anárquica versão de Pedro Coelho (Peter Rabbit) dirigida por Will
Gluck (Annie, Amizade Colorida, A
Mentira).
Contando com uma técnica impressionante em CGI, que,
com sua riqueza de nuances e texturas, chega a dar a impressão de 3D (sem
óculos), a trama traz Pedro, suas
irmãs Flocos, Flux e Rabo-de-Algodão e
o gordinho primo Benjamin, às voltas
com o velho Severino/McGregor (Sam Neill), que não quer saber de
coelhos invadindo a sua horta e roubando os seus legumes e verduras. O rebelde Pedro, que não está nem aí para as
ameaças do ancião que prometeu transformá-lo em recheio de torta, sempre dá um
jeito de rapinar hortaliças e ainda zombar dele. É uma briga diária e
hereditária, pois, assim que o velho sofre um infarto fulminante, Pedro e sua gangue (que querem se
apossar da propriedade) passam a enfrentar, com muito mais vigor e violência, o
seu sobrinho Tomas/McGregor (Domhnall Gleeson), um jovem urbano que,
afora os coelhos, odeia a vida campestre e sonha com uma loja de brinquedos em
Londres. A batalha (na base do toma lá, dá cá) entre os dois machos vai crescendo
e torna-se cada vez mais agressiva quando se dão conta de um interesse amoroso em
comum: Bea (Rose Byrne), a vizinha artista plástica que cuida dos coelhos
travessos que lhe servem de modelo para as telas. Para saber como termina esse
duelo animal, só assistindo.
Pedro Coelho
é uma versão atualizada e levemente (mesmo!) inspirada na adorada criação de
Beatrix Potter. Portanto, se um velho leitor e ou antigo espectador da animação
clássica espera ver uma adaptação fiel da graciosa e crítica fábula (ilustrada
por belas aquarelas) que narra as peripécias do desobediente coelho Pedro, vestindo casaco azul e sapatos
marrons, dando vazão aos seus instintos ao roubar as cenouras da horta do senhor
McGregor, vai se decepcionar. No
máximo verá as boas lembranças passando rapidamente num comovente flashback e ou num fiapo da trama.
Nesta releitura escrita por Rob Lieber e Will Gluck é
até possível perceber uma réplica frágil do esqueleto da narrativa original tentando
emergir em meio à linguagem contemporânea de entretenimento musicadinho, mas
sucumbindo ao ritmo acelerado da história do coelho, agora órfão também de mãe,
que ainda veste casaco azul e sapatos marrons, porém é malandro, vingativo,
sádico, egoísta, mentiroso..., tem seus instintos exacerbados. A razão de tanto
distúrbio seria a orfandade. Bem, pode não ser fácil para o jovem Pedro aceitar a perda dos pais e ter de
cuidar das trigêmeas Flocos, Flux e Rabo-de-Algodão, mas será que é dor pra tanta rebeldia e maldade...,
ainda que embalada num clima cartum/pastelão?
Pedro Coelho é
uma produção australiana com cara de britânica, repleta de gags ferinas (algumas
politicamente incorretas) e piadas grosseiras ao gosto estadunidense (?)..., a
se basear na versão dublada brasileira, onde o humor fica (um pouco) a desejar.
Toda via da fábula moralizante, no entanto, deixando de lado sequências
polêmicas (como a da alergia a amoras, pela qual a Sony já se desculpou
publicamente: “Sinceramente nos
arrependemos de não estar mais conscientes e sensíveis a esta questão e realmente pedimos desculpas.”) ou incômodas
(da violência chiste) e tendo noção de que a criançada (de qualquer época) não é
assim tão inocente quanto se imagina e ou se deseja, este é um filme de ação e
aventura (repito: tecnicamente irretocável!) que pode até ser visto com entusiasmado
interesse pela nova geração de espectadores acostumada à truculência cotidiana.
Também, nada impede dele despertar nesse público (se) leigo a curiosidade pela bela
obra literária original, já em Domínio Público...,
ampliando o seu leque de leitura e de observação do mundo instintivo (humano e
animal) ao seu redor.
Enfim, considerando a excelência gráfica que dá um
realismo de cair o queixo aos animais antropomórficos (imortalizados por
Beatrix Potter em belas aquarelas) que pululam por cenários deslumbrantes em
movimentos de câmera surpreendentes; levando em conta que, mesmo com roteiro
irregular e discutíveis “liberdades poéticas” (principalmente na caracterização
de Pedro/Peter), há espaço para os
pequenos dialogarem sobre culpa e perdão, ciúme e paixão, amor e redenção; observando
que o elenco humano é tão bom quanto o de CGI; esquecendo a trilha com suas
musiquinhas datadas e se conformando com o humor assim-assim..., Pedro Coelho, realmente vai dividir
plateias entre os (jovens) que vão amar e os (mais velhos) que vão odiar. Ou
não! A liberdade de livre expressão de sentimento (a favor ou contra) ainda faz
parte do show..., menos no Facebook, é claro!
*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de
idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo),
em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista
e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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