segunda-feira, 19 de março de 2018

Crítica: Pedro Coelho



PEDRO COELHO
por Joba Tridente

Conforme envelhecemos, talvez pela fugacidade dos dias e ou das novidades lúdico-culturais de pouca qualidade que nos chegam aos borbotões, vamos sendo “traídos” por nosso cérebro carregadinho de boas lembranças infantojuvenis. Como, por exemplo, das encantadoras séries televisivas que exploravam o mundo campestre do traquinas Peter Rabit e seus Amigos (The World of Peter Rabbit and Friends), o dia a dia bucólico do doce Pequeno Urso (Little Bear), os questionamentos da vida da Turma do Charlie Brown (The Charlie Brown and Snoopy Show), que tanto alegravam quanto faziam a garotada pensar no cotidiano fora dos tubos da tv. O ritmo dos dias eram outros..., ao menos para as crianças. Será?


Com tanta onda saudosista nos cinemas, eis que, 116 anos depois de vindo à luz, através da mente brilhante da escritora e ilustradora britânica Beatrix Potter, e despertado o interesse literário de crianças, jovens e adultos, bem como servido de tema de estudos e ensaios acalorados, Peter Rabbit (Pedro Coelho) e seus amigos de aventuras desastradas ganham uma versão cinematográfica com atores e animação computadorizada (em espetacular CGI) que vem dando o quê falar. Sempre que a adaptação de um clássico da literatura e ou a refilmagem de um clássico do cinema é anunciada, os fãs (puristas) ficam em polvorosa, imaginando o que as obras originais vão ganhar e, principalmente, o que vão perder com a adaptação para uma nova mídia e um novo público em tempos digitalmente tão acelerados. Foi assim recentemente com O Touro Ferdinando, dirigido por Carlos Saldanha, que, apesar da qualidade gráfica, dividiu opiniões de público e crítica. Não está sendo diferente com a alucinada e anárquica versão de Pedro Coelho (Peter Rabbit) dirigida por Will Gluck (Annie, Amizade Colorida, A Mentira).


Contando com uma técnica impressionante em CGI, que, com sua riqueza de nuances e texturas, chega a dar a impressão de 3D (sem óculos), a trama traz Pedro, suas irmãs Flocos, Flux e Rabo-de-Algodão e o gordinho primo Benjamin, às voltas com o velho Severino/McGregor (Sam Neill), que não quer saber de coelhos invadindo a sua horta e roubando os seus legumes e verduras. O rebelde Pedro, que não está nem aí para as ameaças do ancião que prometeu transformá-lo em recheio de torta, sempre dá um jeito de rapinar hortaliças e ainda zombar dele. É uma briga diária e hereditária, pois, assim que o velho sofre um infarto fulminante, Pedro e sua gangue (que querem se apossar da propriedade) passam a enfrentar, com muito mais vigor e violência, o seu sobrinho Tomas/McGregor (Domhnall Gleeson), um jovem urbano que, afora os coelhos, odeia a vida campestre e sonha com uma loja de brinquedos em Londres. A batalha (na base do toma lá, dá cá) entre os dois machos vai crescendo e torna-se cada vez mais agressiva quando se dão conta de um interesse amoroso em comum: Bea (Rose Byrne), a vizinha artista plástica que cuida dos coelhos travessos que lhe servem de modelo para as telas. Para saber como termina esse duelo animal, só assistindo.


Pedro Coelho é uma versão atualizada e levemente (mesmo!) inspirada na adorada criação de Beatrix Potter. Portanto, se um velho leitor e ou antigo espectador da animação clássica espera ver uma adaptação fiel da graciosa e crítica fábula (ilustrada por belas aquarelas) que narra as peripécias do desobediente coelho Pedro, vestindo casaco azul e sapatos marrons, dando vazão aos seus instintos ao roubar as cenouras da horta do senhor McGregor, vai se decepcionar. No máximo verá as boas lembranças passando rapidamente num comovente flashback e ou num fiapo da trama.

Nesta releitura escrita por Rob Lieber e Will Gluck é até possível perceber uma réplica frágil do esqueleto da narrativa original tentando emergir em meio à linguagem contemporânea de entretenimento musicadinho, mas sucumbindo ao ritmo acelerado da história do coelho, agora órfão também de mãe, que ainda veste casaco azul e sapatos marrons, porém é malandro, vingativo, sádico, egoísta, mentiroso..., tem seus instintos exacerbados. A razão de tanto distúrbio seria a orfandade. Bem, pode não ser fácil para o jovem Pedro aceitar a perda dos pais e ter de cuidar das trigêmeas Flocos, Flux e Rabo-de-Algodão, mas será que é dor pra tanta rebeldia e maldade..., ainda que embalada num clima cartum/pastelão?


Pedro Coelho é uma produção australiana com cara de britânica, repleta de gags ferinas (algumas politicamente incorretas) e piadas grosseiras ao gosto estadunidense (?)..., a se basear na versão dublada brasileira, onde o humor fica (um pouco) a desejar. Toda via da fábula moralizante, no entanto, deixando de lado sequências polêmicas (como a da alergia a amoras, pela qual a Sony já se desculpou publicamente: “Sinceramente nos arrependemos de não estar mais conscientes e sensíveis a esta questão e realmente pedimos desculpas.”) ou incômodas (da violência chiste) e tendo noção de que a criançada (de qualquer época) não é assim tão inocente quanto se imagina e ou se deseja, este é um filme de ação e aventura (repito: tecnicamente irretocável!) que pode até ser visto com entusiasmado interesse pela nova geração de espectadores acostumada à truculência cotidiana. Também, nada impede dele despertar nesse público (se) leigo a curiosidade pela bela obra literária original, já em Domínio Público..., ampliando o seu leque de leitura e de observação do mundo instintivo (humano e animal) ao seu redor.

Enfim, considerando a excelência gráfica que dá um realismo de cair o queixo aos animais antropomórficos (imortalizados por Beatrix Potter em belas aquarelas) que pululam por cenários deslumbrantes em movimentos de câmera surpreendentes; levando em conta que, mesmo com roteiro irregular e discutíveis “liberdades poéticas” (principalmente na caracterização de Pedro/Peter), há espaço para os pequenos dialogarem sobre culpa e perdão, ciúme e paixão, amor e redenção; observando que o elenco humano é tão bom quanto o de CGI; esquecendo a trilha com suas musiquinhas datadas e se conformando com o humor assim-assim..., Pedro Coelho, realmente vai dividir plateias entre os (jovens) que vão amar e os (mais velhos) que vão odiar. Ou não! A liberdade de livre expressão de sentimento (a favor ou contra) ainda faz parte do show..., menos no Facebook, é claro!


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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